Parecer 10/2017, de 08.06.2017

Mar 11, 2021 | Membership Free

GRAVAÇÃO
DADOS PESSOAIS
PERIGO CONCRETO
VÍDEOVIGILÂNCIA
SEGURANÇA PÚBLICA
INVESTIGAÇÃO CRIMINAL
ORDEM PÚBLICA
ATIVIDADE POLICIAL OU DE SEGURANÇA
PRINCÍPIO DA NECESSIDADE
MINISTÉRIO PÚBLICO
MEIOS DE PROVA

https://www.ministeriopublico.pt/pareceres-pgr/2143

1. O regime sobre utilização de câmaras de vídeo pelas forças e serviços de segurança em locais públicos de utilização comum (RUCVFSS) aprovado pela Lei n.º 1/2005, de 29 de julho, na redação que se encontra em vigor após a revisão operada pela Lei n.º 9/2012, de 23 de fevereiro, visa a manutenção da segurança e ordem públicas e prevenção da prática de crimes restringindo a utilização de câmaras em contextos espaciais de uso comum à prossecução de um conjunto de finalidades específicas enunciadas taxativamente na lei, atento, nomeadamente, o disposto nos artigos 2.º, n.º 1, e 7.º, n.º 2, do RUCVFSS.
2. A admissão da instalação e utilização de câmaras regulada no RUCVFSS compreende um procedimento complexo com as seguintes etapas:
a) Pedido de autorização formulado por dirigente máximo de força ou serviço de segurança ou por presidente de câmara municipal;
b) Parecer da Comissão Nacional de Proteção de Dados (CNPD);
c) Decisão de autorização do membro do Governo que tutela a força ou serviço de segurança requerente ou que vai monitorizar as câmaras (quando a instalação foi requerida por presidente de câmara municipal), a qual é suscetível de delegação nos termos legais.
3. O parecer da CNPD proferido ao abrigo do artigo 3.º, n.º 2, do RUCVFSS está funcionalmente vinculado à dimensão relativa ao tratamento automatizado, conexão, transmissão e utilização de dados pessoais, e as eventuais análises e recomendações relativas à captação e gravação de imagens e/ou sons estão dependentes de específicas conexões com o potencial tratamento de dados de pessoas individualizáveis.
4. A pronúncia da CNPD ao abrigo do artigo 3.º, n.os 2 e 7, do RUCVFSS não é vinculativa para a entidade com competência decisória ao abrigo do artigo 3.º, n.º 1, do RUCVFSS, a qual pode, nomeadamente, rejeitar eventuais recomendações da CNPD relativas à captação e gravação de imagem e som e proferir decisão de autorização apesar de parecer negativo da entidade administrativa independente.
5. A utilização de câmaras de vídeo regulada pelo RUCVFSS apenas pode compreender a captação de sons quando, além das finalidades referidas na conclusão 1.ª, se verifique perigo concreto para a segurança de pessoas e bens.
6. O regime estabelecido no RUCVFSS sobre a captação e gravação de som por câmaras de vídeo utilizadas ao abrigo desse diploma deriva de uma ponderação legislativa sobre colisões entre liberdades e segurança.
7. As limitações e condições de uso do sistema devem ser estabelecidas na decisão governamental de autorização e os requisitos técnicos mínimos do equipamento têm de ser prescritos, ouvida a CNPD, por portaria do membro do Governo responsável pela área da administração interna, ao abrigo do artigo 5.º, n.os 3 e 7, do RUCVFSS.
8. A eventual captação e gravação de sons depende de um juízo da força ou serviço de segurança responsável pela utilização das câmaras sobre a necessidade, adequação e proporcionalidade dessa captação em face dos específicos fins de manutenção da segurança e ordem públicas e prevenção da prática de crimes prosseguidos bem como dos efeitos colaterais sobre direitos individuais à privacidade e palavra, no quadro estabelecido pelo artigo 272.º, n.os 1 a 3, da Constituição, e pelas disposições conjugadas dos artigos 3.º, n.º 1, 5.º, n.os 3 e 7, 6.º, n.º 1, e 7.º, n.os 1 e 3, do RUCVFSS e dos artigos 2.º, n.os 1 e 2, 6.º, n.º 2, 30.º e 32.º, da Lei de Segurança Interna aprovada pela Lei n.º 53/2008, de 29 de agosto.
9. A utilização de câmaras de vídeo ao abrigo do RUCVFSS para abranger interior de casa ou edifício habitado ou sua dependência quando não exista consentimento dos proprietários e de quem o habite legitimamente carece de autorização judicial, nos termos do disposto no número 6 do artigo 7.º do RUCVFSS.
10. Relativamente a conversas realizadas em espaço público de utilização comum, a circunstância de se destinarem a um universo restrito de ouvintes unidos por uma expetativa de reserva e sigilo não determina uma proteção irrestrita contra a suscetibilidade de captação de sons, sendo certo que, em regra, as conversas com relevo para prevenção de infrações penais e que envolvem perigo concreto para a segurança de pessoas e bens compreendem pactos de silêncio e pretensões de que o seu conhecimento seja reservado aos diretamente envolvidos na interação comunicativa.
11. Em sede de captação e gravação de imagens e sons por câmaras de vídeo utilizadas ao abrigo do RUCVFSS, as ponderações casuísticas sobre colisões entre os valores de tutela da privacidade, proteção da imagem e palavra com as exigências de prevenção relativas a perigo(s) concreto(s) para segurança de pessoas e bens são empreendidas, no quadro estabelecido legalmente, pelas forças ou serviços de segurança em sintonia com a arquitetura sistémico-funcional estabelecida no artigo 272.º da Constituição e em coerência com o modelo subjacente ao Regulamento Geral sobre a Proteção de Dados (RGPD) aprovado pelo Regulamento (UE) 2016/679 do Parlamento Europeu e do Conselho, de 27 de abril de 2016, e à Diretiva (UE) 2016/680 do Parlamento Europeu e do Conselho, também de 27 de abril de 2016, relativa à proteção das pessoas singulares no que diz respeito ao tratamento de dados pessoais pelas autoridades competentes para efeitos de prevenção, investigação, deteção ou repressão de infrações penais ou execução de sanções penais, e à livre circulação desses dados.
12. Existindo notícia de crime relativamente ao qual a gravação realizada ao abrigo do RUCVFSS pode compreender elementos de investigação e/ou prova, deve ser transmitida ao Ministério Público a fita ou suporte original das imagens e sons, com o objetivo de as ponderações sobre colisões de valores relativos, por um lado, à tutela da privacidade, proteção da imagem e palavra e, por outro, aos interesses e fins do processo penal, nomeadamente de recolha e preservação de meios de prova, serem empreendidas por autoridade judiciária, atentas, nomeadamente, as disposições dos artigos 8.º, n.º 1, do RUCVFSS e dos artigos 124.º, 164.º, 165.º, 167.º, 171.º, 242.º, 248.º e 249.º do Código de Processo Penal.

Senhora Secretária de Estado Adjunta e da Administração Interna
Excelência:

I. Relatório
A consulta foi determinada por Sua Excelência a Senhora Secretária de Estado Adjunta e da Administração Interna com indicação do seguinte assunto: Interpretação dos requisitos de admissibilidade da captação e gravação de som no âmbito da Lei n.º 1/2005, de 10 de Janeiro, com as alterações introduzidas pelas Leis n.º 39-A/2005, de 29 de julho, 53-A/2006, de 29 de dezembro e 9/2012, de 23 de fevereiro[1].
Cumpre emitir parecer atenta, nomeadamente, a urgência referida na solicitação.

II. Fundamentação
§ II.1 Objeto do parecer e enquadramento metodológico
A questão objeto de consulta foi colocada pelo membro do Governo competente ao abrigo do disposto no artigo 37.º, alínea a), do Estatuto do Ministério Público (EMP).
A consulta visa a pronúncia sobre questões jurídico-práticas no quadro funcional da Administração Pública.
A entidade consulente, depois de apresentação do tema, identifica três questões objeto da consulta nos seguintes termos:
«a) Decorre da Lei n.º 1/2005, de 10 de janeiro, com as alterações introduzidas pelas Leis n.os 39-A/2005, de 29 de julho, 53-A/2006, de 29 de dezembro e 9/2012, de 23 de fevereiro, que a captação e gravação de som, no caso de verificação de perigo concreto para a segurança de pessoas e bens, não é admissível quando a captação e gravação de som, nessas particulares situações, afete conversas de natureza privada?
«b) Encontra-se no âmbito das competências e atribuições da CNPD determinar a proibição total de captação e gravação de som, independentemente dos seus pressupostos de admissibilidade?
«c) À luz da Lei n.º 1/2005, de 10 de janeiro, com as alterações introduzidas pelas Leis n.os 39-A/2005, de 29 de julho, 53-A/2006, de 29 de dezembro e 9/2012, de 23 de fevereiro, quais os pressupostos de admissibilidade de captação e gravação de som?».
A fundamentação da consulta subscrita por Sua Excelência a Senhora Secretária de Estado Adjunta e da Administração Interna compreende, nomeadamente, referências a casos concretos e pareceres da Comissão Nacional de Proteção de Dados (CNPD)[2].
Elementos ilustrativos e clarificadores sobre as questões suscitadas que foram devida e claramente recortadas pela entidade consulente por referência a dimensões genéricas de legalidade, relativamente às quais os casos concretos apresentados apenas servem como exemplificadores da problemática suscita, não integrando nos seus particularismos o objeto da consulta. Neste domínio importa ressaltar que, embora nos casos concretos que acompanham o pedido de consulta sejam controvertidas especificidades dos procedimentos de renovação de autorizações, a consulta tem por referência apenas o procedimento de admissão inicial da instalação de sistemas de videovigilância.
A delimitação do âmbito da consulta tem de respeitar os termos das questões colocadas. Já o enquadramento jurídico dos problemas suscitados será da responsabilidade do Conselho Consultivo, de acordo com uma matriz conformada pelos princípios da legalidade e objetividade.
As questões apresentadas na consulta reportam-se ao exercício de competências estaduais de órgãos concretos, no caso do Governo (e organismos na dependência orgânica do Ministro da Administração Interna) no âmbito do regime legal sobre a utilização de câmaras de vídeo pelas forças e serviços de segurança em locais públicos de utilização comum.
Importa reiterar neste domínio as considerações formuladas no parecer n.º 45/2012, de 15 de janeiro de 2013[3], que se aplicam ao presente:
«O Conselho Consultivo pode ser convocado, no exercício de função consultiva facultativa, para se pronunciar sobre condições de ação que podem envolver a sistematização de regras advenientes da interpretação jurídica da lei trabalhando sobre dados de facto ligados ao passado, supondo muitas vezes um prévio trabalho teórico de natureza jurídica que, contudo, não afasta a exclusividade da responsabilidade do decisor quanto a eventuais opções precetivas suportadas no parecer.
«Daí que a entidade consulente, quando os pareceres não são obrigatórios nem vinculativos, assuma um papel insubstituível de redução da complexidade em dois momentos em que decide com plena independência:
(1) Ao estabelecer o objeto da pronúncia sobre uma determinada questão técnica;
(2) Ao extrair as consequências, após o parecer, da opinião expendida em termos de medidas com impacto na ordem jurídica.
«Isto é, o exercício da função consultiva envolve mecanismos de responsabilizações múltiplas, do próprio órgão consultivo através das suas estruturas argumentativas e corolários extraídos das mesmas, e do consulente ao estabelecer o objeto daquela pronúncia exclusivamente técnica em que, para empregar as palavras de Luhmann, se estabelece um território em que “a extensão e a coordenação das diversas responsabilidades não podem ser realizadas isoladamente sem considerar o contexto estrutural e programático da atividade decisória”.
«Nessa medida, o parecer não pode abrir-se a múltiplos universos epistemológicos sem específica delimitação de uma pergunta sobre concretizadas questões jurídicas, que são as únicas sobre as quais podem incidir os pareceres facultativos do Conselho Consultivo. Interrogações que têm implicadas possibilidades abstratas de mais do que uma solução, daí a dúvida que determina a solicitação de parecer. Existe, assim, um esquema insuperável de problema / solução em que a identificação do problema jurídico numa fase primária, em que se estabelecem balizas inequívocas sobre o objeto da consulta, é uma responsabilidade do consulente.
«Como se destacou no parecer n.º 4/1992 – Complementar B, de 21-9-2000, as diferentes aceções da função consultiva, mesmo quanto a órgãos consultivos que não estão vinculados a pronunciar-se apenas sobre os aspetos estritamente jurídicos, compreendem uma destrinça de responsabilidades funcionais entre entes, consulente e consultivo, centradas na delimitação do respetivo objeto.
«Acresce que as funções consultivas da Procuradoria-Geral da República integram-se numa linhagem com precedentes na atribuição ao Conselho de Estado (criado pela Carta Constitucional de 1826) de funções consultivas em 1850 e na conversão em 1870 da ala administrativa desse órgão do Estado “no Supremo Tribunal Administrativo, mas com supressão das funções consultivas”.
«Enquadramento que implica a restrição do parecer aos aspetos jurídicos previamente identificados ou decorrentes do tratamento daqueles, excluindo dimensões político-administrativas ou financeiras sobre fins e objetivos.»
Existe, assim, uma clara componente funcional no que concerne a pareceres do Conselho Consultivo que, de acordo com o n.º 1 do artigo 43.º do EMP, incidam «sobre disposições de ordem genérica», os quais sendo homologados passarão a valer «como interpretação oficial, perante os respetivos serviços, das matérias que se destinam a esclarecer». Prevendo-se, no caso de o «objeto da consulta interessar a dois ou mais Ministérios que não estejam de acordo com a homologação do parecer», que a decisão compete ao Primeiro-Ministro (n.º 2 do artigo 43.º do EMP).
A competência decisória sobre a matéria enquadrada pelas normas objeto das dúvidas jurídicas é da entidade consulente e este órgão consultivo apenas se deve pronunciar sobre disposições de ordem genérica em matéria de legalidade cuja apreciação lhe foi solicitada, já que se trata de um parecer facultativo que deve apenas incidir sobre «as questões indicadas na consulta», atentas as disposições dos artigos 37.º, alínea a) e 43.º, n.º 1, do EMP conjugadas com as dos artigos 91.º, n.º 1, e 92.º, n.º 1, do Código de Procedimento Administrativo (CPA).
Nessa medida, o Conselho Consultivo deve abster-se de qualquer abordagem exaustiva de condições de ação governamental no domínio objeto da consulta que não tenham sido objeto de dúvidas expressamente suscitadas pela entidade consulente ou que não estejam necessariamente implicadas nas questões colocadas a este órgão consultivo.
Vinculação temática à abordagem das questões colocadas na consulta sustentada em razões materiais de fundo. Tendo o parecer sido solicitado pelo Governo e relacionando-se com matérias relativas a competência do executivo, a abordagem empreendida por este Conselho não pode incidir em campos relativos ao exercício da função administrativa que não se encontrem diretamente abrangidos pelas questões colocadas, plano em que este ente consultivo não tem legitimidade para uma proatividade sem prévia solicitação do Governo[4].
Vertentes com dimensão constitucional, desde logo, ao nível do artigo 2.º da Constituição onde, após a revisão de 1997, como destacam Gomes Canotilho e Vital Moreira, se «incluiu expressamente o princípio da separação e interdependência dos poderes como princípio fundamental constitutivo do estado de direito democrático»[5]. Como também referem os aludidos autores: «A separação e interdependência permitem definir competências separadas, controlos mútuos e garantias de defesa dos direitos fundamentais. A imbricação das duas dimensões – democrática e de estado de direito – no princípio da separação e interdependência radica nas ideias básicas inerentes à fundamentalidade deste princípio: exercício adequado e não arbitrário do poder, racionalização do esquema organizatório do poder, controlo recíproco de poderes, limite de poderes. Dito por outras palavras: o princípio fundamental da separação e interdependência de poderes desempenha uma pluralidade de funções constitucionais: função de medida, função de racionalização, função de controlo e função de proteção.»
Desta forma, sem obnubilar que o pedido de consulta é acompanhado por elementos relativos a casos concretos, estes não constituem, na sua especificidade, objeto da consulta. Sendo certo que o Conselho Consultivo nesta sede, relativa à emissão de «parecer restrito a matéria de legalidade» a solicitação do Governo nos termos da alínea a) do artigo 37.º do EMP, carece de legitimidade para o desenvolvimento de qualquer investigação autónoma sobre a «matéria de facto», a qual, aliás, não lhe foi solicitada pelo órgão de soberania competente.
Esclarecidos esses pontos de partida, importa proceder à contextualização sistémico-funcional do parecer visando a abordagem correta da «matéria de legalidade» (nos termos da alínea a) do artigo 37.º do EMP).
Se no caso de competências do Governo é importante definir qual o membro do Governo competente para a específica matéria administrativa, por maioria de razão, numa consulta formulada pelo Governo deve ser ponderado o tratamento das questões suscitadas tendo presentes as competências próprias do executivo nesse subsistema jurídico-normativo.
Cruzando-se o tema com vertentes relativas a competências de uma entidade administrativa independente (CNPD) e judiciárias (em particular quanto à assunção em processos penais de eventuais conhecimentos de investigação e provas resultantes de gravações de câmaras de vídeo utilizadas pelas forças e serviços de segurança em locais públicos de utilização comum) importa sublinhar que não incumbe ao Conselho Consultivo, nesta sede, pronunciar-se sobre os temas sujeitos a ponderação daquela entidade administrativa independente (e potencial escrutínio judicial da mesma) ou de autoridades judiciárias na medida em que operam de forma autónoma do Governo. Desta forma, a abordagem vai, tanto quanto possível, ter por referência as competências do Governo e de órgãos dependentes organicamente do Ministro da Administração Interna e os limites advenientes, em face das específicas questões suscitadas, dos imperativos decorrentes da separação e interdependência de poderes.
Pelo que, vão excluir-se, nomeadamente, as temáticas relativas às ponderações da competência dos tribunais ou do Ministério Público em processo penal naquilo que sejam cindíveis da intervenção dos órgãos de polícia criminal dependentes organicamente do Ministro da Administração Interna.
Sublinhe-se, ainda, que o enquadramento sistémico-funcional do presente parecer determina que o desenvolvimento compreensivo se encontre cingido à interpretação do direito vigente não derivando para ponderações sobre hipotéticas inconstitucionalidades do regime legal. Com efeito, além de o objeto da consulta acima recortada não incluir a constitucionalidade do regime legal, a impertinência da sua abordagem nesta sede deriva, ainda, da doutrina deste Conselho sobre o problema da recusa de aplicação de normas legais pela Administração[6], sem prejuízo de a axiologia constitucional ser um parâmetro fundamental na interpretação do direito ordinário, nomeadamente sobre o enquadramento funcional da polícia no Estado de direito (cf. infra § II.4.2).
Como já se referiu, delimitado o objeto do parecer pela entidade consulente o enquadramento jurídico das questões suscitadas constitui responsabilidade do Conselho Consultivo de acordo com uma matriz vinculada aos princípios da legalidade e objetividade.
Sendo o parecer conformado pela teleologia e balizas das dúvidas suscitadas pela entidade consulente, a ponderação necessária para as respostas deve ser objeto de análise própria pelo Conselho Consultivo na fundamentação que se segue. Plano em que se deve realçar um outro aspeto: A consulta que originou este parecer visa um comando relativo a condições de ação e não a objetivos, o que obrigatoriamente determina o trabalho a empreender, na medida em que, em sintonia com a vocação técnica deste ente consultivo, se deve cingir às pautas de interpretação do direito positivo (não envolvendo valorações que, sendo independentes do regime estabelecido legislativamente, se reportem ao direito a constituir).
A estrutura do parecer vai ser determinada pelo escopo da consulta e pautas acabadas de expor, desdobrando-se a fundamentação pelas seguintes partes:
§ II.2 Enquadramento do regime legal sobre instalação e utilização de câmaras de vídeo pelas forças e serviços de segurança em locais públicos de utilização comum;
§ II.3 Competência da CNPD no procedimento de admissão da instalação e utilização de câmaras de vídeo pelas forças e serviços de segurança em locais públicos de utilização comum;
§ II.4 Admissibilidade, admissão e assunção da captação de som no quadro do regime legal vigente sobre utilização de câmaras de vídeo pelas forças e serviços de segurança em locais públicos de utilização comum.
Depois da fundamentação serão enunciadas as conclusões do parecer visando responder às questões colocadas na consulta.

§ II.2 Enquadramento do regime legal sobre instalação e utilização de câmaras de vídeo pelas forças e serviços de segurança em locais públicos de utilização comum
§ II.2.1 Os sistemas de videovigilância são múltiplos e envolvem valores e regimes jurídicos diversificados. Pluralidade de quadros normativos cujas repartições têm por referência, nomeadamente, variáveis relativas às entidades responsáveis pelos sistemas, tipologias de espaços objeto de vigilância e finalidades da videovigilância.
Os parâmetros delimitadores do regime sobre utilização de câmaras de vídeo pelas forças e serviços de segurança em locais públicos de utilização comum (RUCVFSS) aprovado pela Lei n.º 1/2005, de 29 de julho[7], podem ser compreendidos à luz das referidas variáveis delimitadoras.
Relativamente aos fins, a utilização de câmaras objeto da consulta reporta-se à manutenção da segurança e ordem públicas e prevenção da prática de crimes (artigo 7.º, n.º 2, do RUCVFSS) visando um conjunto de objetivos enunciados taxativamente na lei, no artigo 2.º, n.º 1, do RUCVFSS[8]:
a) Proteção de edifícios e instalações públicos e respetivos acessos;
b) Proteção de instalações com interesse para a defesa e a segurança;
c) Proteção da segurança das pessoas e bens, públicos ou privados, e prevenção da prática de factos qualificados pela lei como crimes, em locais em que exista razoável risco da sua ocorrência;
d) Prevenção e repressão de infrações estradais;
e) Prevenção de atos terroristas;
f) Proteção florestal e deteção de incêndios florestais.
Fins que não visam em termos precípuos a investigação criminal. A captação de imagens e sons em sede de investigação criminal pode integrar meios de obtenção de prova processuais, nomeadamente, previstos no artigo 6.º da Lei n.º 5/2002, de 11 de janeiro[9], matéria objeto de apreciação por este Conselho no parecer n.º 82/2008, de 16-1-2009[10].
Dimensão teleológica determinante em matéria de competências decisórias (vd. ainda infra §§ II.3.3, II.4.3 e II.4.4), compreendendo uma destrinça fundamental destacada em pareceres deste conselho entre prevenção e investigação criminal, e as conexões funcionais envolvidas na deteção de crimes, nomeadamente no parecer n.º 26/2013, de 20-2-2014[11], em que se abordou a intervenção do Ministério Público sobre atividades de prevenção criminal (em particular em domínio regulados por legislação especial).
Como se destacou em sede conclusiva no parecer n.º 26/2013, existindo suspeita de um crime, ainda que derivada de uma atividade preventiva, «as regras sobre a interação comunicativa do Ministério Público com o suspeito encontram-se estabelecidas pelo processo penal e a respetiva operatividade não depende da precedência dos atos burocráticos de autuação e registo do expediente como processo penal».
De qualquer modo, as questões da consulta (supra § II.1) reportam-se exclusivamente ao universo decisório em sede de atividades que visam a manutenção da segurança e ordem públicas e prevenção da prática de crimes, o que, desde logo exclui captação e gravação de imagens e de sons para fins de investigação criminal ou a sua apreensão para esses fins, em que as competências decisórias se encontram estabelecidas por normas processuais penais e operam nesse contexto judiciário, não compreendendo poderes vinculativos de entidades administrativas — matérias objeto de apreciação por este Conselho nos pareceres n.º 82/2008 e n.º 45/2012.
Desta forma, embora a aplicação das medidas de polícia de captação, gravação e tratamento de imagens e sons ao abrigo do RUCVFSS possa ter repercussão ao nível de notícias do crime e/ou aquisição de meios de prova a atividade derivada de notícia do crime não integra o objeto da presente consulta e opera-se no quadro processual penal — vd. ainda infra § II.4.4 sobre as conexões funcionais que se podem verificar na aplicação do RUCVFSS e que repercutem, em alguma medida, em restrições do poder das forças de segurança relativamente a gravações que compreendam elementos eventualmente relevantes para investigação ou prova em processo penal.
A problemática objeto da consulta não se confunde com a videovigilância no quadro da atividade de segurança privada, atentas as entidades responsáveis e os fins públicos prosseguidos no âmbito do RUCVFSS. Sendo certo que as competências da CNPD relativamente aos sistemas de videovigilância das entidades prestadoras de serviços de segurança privada também são distintas e incomparáveis com o campo de intervenção daquela entidade administrativa independente quanto à utilização de câmaras de vídeo pelas forças e serviços de segurança em locais públicos de utilização comum.
A regulação dos sistemas de videovigilância no âmbito da atividade de segurança privada consta atualmente do artigo 31.º do regime do exercício da atividade de segurança privada (REASP) aprovado pela Lei n.º 34/2013, de 16 de maio.
O REASP admite o recurso a sistemas de videovigilância por parte de entidades que beneficiam de alvará ou de licença para o exercício de três tipologias de serviços de segurança privada: (1) A vigilância de bens móveis e imóveis e o controlo de entrada, presença e saída de pessoas, bem como a prevenção da entrada de armas, substâncias e artigos de uso e porte proibidos ou suscetíveis de provocar atos de violência no interior de edifícios ou outros locais, públicos ou privados, de acesso vedado ou condicionado ao público; (2) A exploração e a gestão de centrais de receção e monitorização de sinais de alarme e de videovigilância, assim como serviços de resposta cuja realização não seja da competência das forças e serviços de segurança;
(3) O transporte, a guarda, o tratamento e a distribuição de fundos e valores e demais objetos que pelo seu valor económico possam requerer proteção especial, sem prejuízo das atividades próprias das instituições financeiras reguladas por norma especial[12].
As entidades que beneficiam de alvará ou de licença para o exercício das atividades relativas às referidas tipologias de serviços de segurança privada nesse quadro podem utilizar, ao abrigo do artigo 31.º do REASP «câmaras de vídeo para captação e gravação de imagem», sendo, nomeadamente, prescrito que as «gravações obtidas de acordo» com essa lei só podem «ser utilizadas nos termos da legislação processual penal»[13].
Em contraponto à segurança privada, a atividade policial de segurança interna compreende competências estaduais específicas com suporte constitucional e legitimidade axiológica própria — vd. ainda infra § II.4.2.
§ II.2.2 O objeto da consulta reporta-se ao desenvolvimento de medidas de polícia de videovigilância que, conforme o disposto no artigo 272.º, n.º 2, da Constituição ,se encontram reguladas na lei, no caso o RUCVFSS.
O RUCVFSS socorre-se de uma categoria legal, forças e serviços de segurança, que integra o núcleo do sistema normativo em matéria de segurança interna. As forças e os serviços de segurança, nos termos do artigo 25.º, n.º 1, da Lei de Segurança Interna (LSI) aprovada pela Lei n.º 53/2008, de 29 de agosto[14], são organismos públicos, exclusivamente dedicados ao serviço do povo português, rigorosamente apartidários que concorrem para garantir a segurança interna[15].
Sistema normativo em que a segurança interna é reportada à «atividade desenvolvida pelo Estado para garantir a ordem, a segurança e a tranquilidade públicas, proteger pessoas e bens, prevenir e reprimir a criminalidade e contribuir para assegurar o normal funcionamento das instituições democráticas, o regular exercício dos direitos, liberdades e garantias fundamentais dos cidadãos e o respeito pela legalidade democrática», nos termos do artigo 1.º, n.º 1, da LSI. Dimensão funcional que tem de integrar as reservas das autoridades judiciárias em matéria de repressão da criminalidade (supra § II.2.1 e infra § II.4.4), sem olvidar que algumas medidas de polícia compreendem reservas judiciais, nomeadamente, a do artigo 7.º, n.º 6, RUCVFSS (infra § II.4.2).
Enquadramento funcional da atividade de polícia com uma reserva de lei na atribuição de competência a qual tem lastro histórico no direito positivo português e expressão maior no artigo 272.º da Constituição. Como se destacou no parecer n.º 8/2012, de 27-9-2012[16], no que concerne à interação de órgãos e agentes do Estado com particulares a competência para determinar medidas de polícia não corresponde a uma deriva para uma cláusula aberta e incontrolada legitimadora de intervencionismo administrativo por via de coação, matriz rejeitada, mesmo à luz dos cânones conceptuais do Estado Novo, na abordagem doutrinária de Marcello Caetano[17].
No atual quadro constitucional tem recebido acolhimento uma «conceção ampla dos fins da polícia» que, nas palavras de Sérvulo Correia, abrange «todos aqueles interesses gerais, protegidos por lei, que possam ser sujeitos a um risco de dano por condutas individuais cuja perigosidade seja controlável através do exercício de competências administrativas»[18]. Dimensão finalística que não altera dados de base da lição de Marcello Caetano, o qual, sem embargo da ênfase no «caráter normalmente discricionário dos poderes de polícia», acrescentava que «tais poderes têm de ser jurídicos», reconduzindo esse caráter a «pelo menos dois traços: fazerem parte de uma competência conferida por lei e visarem a realização de fins legalmente fixados»[19].
Focado nas implicações do atual regime constitucional, Pedro Lomba destaca que o n.º 2 do artigo 272.º da Constituição comporta «um duplo significado: por um lado as medidas de polícia devem estar previstas na lei (princípio da tipicidade); por outro as medidas de polícia visam proteger interesses coletivos definidos também na lei»[20]. Autor que, mais à frente, acrescenta: «As medidas de polícia constituem competências de atuação administrativa típicas. As normas de polícia são, em boa verdade, normas de competência. É esse o sentido do princípio da legalidade do poder de polícia»[21].
Normas de competência cujas previsões e estatuições integram algumas categorias conceptuais centrais na delimitação da margem de ponderação axiológica das forças e serviços de segurança, nomeadamente, a categoria perigo. Domínio da prevenção criminal que envolve, em primeira linha, um segmento das funções policiais, previstas no artigo 272.º, n.º 3, da Constituição, «a prevenção dos crimes, incluindo a dos crimes contra a segurança do Estado, só pode fazer-se com observância das regras gerais sobre polícia e com respeito pelos direitos, liberdades e garantias dos cidadãos».
Campo em que a ideia de perigos concretos transporta uma axiologia conformadora dos juízos sobre medidas de polícia, sejam as mesmas designadas como gerais ou especiais, com variantes cujo aprofundamento é incompatível com a economia do presente parecer[22]. Valorações normativas sobre prevenção e perigos de raiz especificamente policial que marcam múltiplas previsões normativas do RUCVFSS, podendo referir-se os artigos 2.º, n.º 1, alíneas c), d) e e), 5.º, n.º 3, alínea c), 7.º, n.os 2 e 10, 10.º, n.º 2, 13.º, n.os 1 e 2, alínea b), 14.º, 15.º, n.º 1 — sobre o conceito de perigo concreto para a segurança de pessoas e bens em matéria de captação de som vd. infra § II.4.3.
Em síntese, o regime sobre utilização de câmaras de vídeo pelas forças e serviços de segurança em locais públicos de utilização comum consagrado no RUCVFSS integra-se na função de polícia cuja axiologia constitucional se encontra estabelecida no artigo 272.º da Constituição.
Espectro funcional que compreende uma dimensão de competência sobre medidas de polícia reportadas à captação e gravação de imagens, como também foi reconhecido no parecer n.º 10/1999, de 27-5-1999[23], sobre a reserva de lei nessa sede. Tendo então sido destacado, «agir sobre o ambiente de forma sistemática através do recurso a meios tecnológicos cada vez mais sofisticados de controlo e vigilância constitui um modo de prevenção cuja utilização crescente a experiência tem revelado»[24].
O RUCVFSS constitui o resultado da assunção, constitucionalmente legitimada, de um espaço de ponderação normativa através da lei sobre a prossecução de fins preventivos no respeito pelos direitos fundamentais. Intervenção legislativa que estabelece os parâmetros de exercícios de competências por entidades estaduais sobre captação e gravação de imagens e sons, integrando ponderações legislativas próprias sobre os fins preventivos previstos e ainda os bens e riscos envolvidos.
Em conclusão sobre o enquadramento do regime objeto do presente parecer: O RUCVFSS visa a manutenção da segurança e ordem públicas e prevenção da prática de crimes restringindo a utilização de câmaras em contextos espaciais de uso comum à prossecução de um conjunto de finalidades específicas enunciadas taxativamente na lei, atento, nomeadamente, o disposto nos respetivos artigos 2.º, n.º 1, e 7.º, n.º 2.

§ II.3 Competência da CNPD no procedimento de admissão da instalação e utilização de câmaras de vídeo pelas forças e serviços de segurança em locais públicos de utilização comum
§ II.3.1 O RUCVFSS estabelece um procedimento específico de admissão da instalação de câmaras fixas e utilização de câmaras portáteis que, por força do artigo 3.º do RUCVFSS[25], compreende três etapas:
a) Pedido de autorização formulado por dirigente máximo de força ou serviço de segurança ou por presidente de câmara municipal;
b) Parecer da Comissão Nacional de Proteção de Dados (CNPD);
c) Decisão de autorização do membro do governo que tutela a força ou serviço de segurança requerente ou que vai monitorizar as câmaras (quando a instalação foi requerida por presidente de câmara municipal), a qual é suscetível de delegação nos termos legais.
Para além do referido procedimento com três etapas, que pode ser qualificado como ordinário, existem dois procedimentos urgentes e excecionais, respetivamente, para instalação de câmaras fixas e utilização de câmaras portáteis:
(1) Quando estejam em causa circunstâncias urgentes devidamente fundamentadas e que constituam perigo para a defesa do Estado ou para a segurança e ordem pública, pode o dirigente máximo da força ou serviço de segurança respetivo determinar que se proceda à instalação de câmaras de vídeo fixas, sem prejuízo de posterior processo de autorização a encetar no prazo de 72 horas, devendo o membro do Governo que tutela a força ou serviço de segurança ser imediatamente informado e se a autorização não for concedida pelo membro do Governo o responsável pelo sistema procede à destruição imediata do material gravado (artigo 7.º, n.os 10 a 12, do RUCVFSS).
(2) Quando não seja possível obter em tempo útil a autorização de acordo com o procedimento ordinário, o dirigente máximo da força ou serviço de segurança pode autorizar a utilização de câmaras portáteis, informando no prazo de 48 horas a CNPD e o membro do governo que tutela essa força ou serviço de segurança, e se a autorização não for concedida ou o parecer da CNPD for negativo, o responsável pelo sistema procede à destruição imediata do material gravado (artigo 6.º, n.os 2 e 3, do RUCVFSS).
Procedimentos em caso de urgência que não integram o objeto da consulta, a qual também não compreende qualquer questão sobre as regras especiais relativas aos procedimentos de renovação (supra § II.1)[26]. Pelo que a apreciação subsequente vai cingir-se ao procedimento regra em três etapas que depende de decisão de autorização do membro do governo prévia à instalação e utilização das câmaras vídeo.
Admitida a utilização de câmaras fixas ou portáteis existe uma obrigatoriedade de comunicação ao Ministério Público das decisões de autorização ordinárias, como, ainda, de instalação e utilização em caso de urgência (artigo 8.º, n.º 3, do RUCVFSS), para além da obrigatoriedade de registo público de todas as instalações autorizadas, com referência da data e local exatos da instalação, requerente, fim a que se destina, demais elementos do processo instruído pela força de segurança respetiva, parecer da CNPD, e o período da autorização e suas eventuais renovações (artigo 12.º do RUCVFSS).
§ II.3.2 Esclarecida a diacronia do procedimento de admissão da instalação de câmaras fixas e utilização de câmaras portáteis em que a decisão de autorização é obrigatoriamente precedida por um parecer da CNPD, as primeiras questões que se vão abordar reportam-se ao âmbito objetivo do parecer dessa entidade e se a mesma compreende a suscetibilidade de proibição da captação de som. A pergunta da entidade consulente, recorde-se, foi a seguinte: «Encontra-se no âmbito das competências e atribuições da CNPD determinar a proibição total de captação e gravação de som, independentemente dos seus pressupostos de admissibilidade?»
A CNPD tem suporte no artigo 35.º, n.º 2, da Constituição, que na revisão constitucional de 1997 passou a prever a obrigatoriedade da criação de uma entidade administrativa independente[27] responsável pela proteção do tratamento automatizado, conexão, transmissão e utilização de dados pessoais[28]. CNPD cujo estatuto legal consta da Lei da Proteção de Dados Pessoais aprovada pela Lei n.º 67/98, de 26 de outubro[29], e da Lei de organização e funcionamento da Comissão Nacional de Proteção de Dados aprovada pela Lei n.º 43/2004, de 18 de Agosto[30].
Os trabalhos que culminaram na atual redação do n.º 2 do artigo 3.º do RUCVFSS compreenderam a consagração em 2012 de opções significativamente diferentes do programa estabelecido na versão originária do regime, tendo o âmbito e força jurídica do parecer da CNPD sido objeto de significativa restrição na revisão de 2012 do RUCVFSS.
A redação originária do artigo 3.º do RUCVFSS[31]:
1- Estabelecia a obrigatoriedade irrestrita do parecer da CNPD (não podendo ser emitida decisão de autorização sem prévia pronúncia expressa da CNPD);
2- Não circunscrevia o âmbito da pronúncia da CNPD à temática da segurança do tratamento dos dados recolhidos;
3- Determinava a força vinculativa do parecer negativo da CNPD.
O sentido da revisão de 2012 do RUCVFSS neste domínio foi assumido, de forma inequívoca, na exposição de motivos do projeto de lei n.º 34/XII, onde se destaca a pretensão de introduzir «um quadro de agilização e redefinição legitimadora no processo de autorização da colocação de câmaras, que passa nomeadamente pela necessidade de determinar de forma clara o papel de cada um dos intervenientes neste processo: obtendo-se parecer da Comissão Nacional de Proteção de Dados, que deve ser emitido em prazo legalmente definido de 60 dias e que será remetido ao membro do Governo competente para a decisão, que deve ser efetivamente o decisor final e o avaliador do cumprimento das balizas a que se refere o artigo 7.º, designadamente, como acontece no caso da área da administração interna, enquanto entidade máxima responsável pela formulação e execução da política de segurança interna»[32].
Opção programática sobre o confinamento temático e ausência de força vinculativa da intervenção da CNPD no procedimento de autorização que, apesar de algumas pequenas variantes de redação, veio a ser sufragada na aprovação por maioria do diploma[33].
Sendo certo que a CNPD não tem, nem nunca teve, competência para estabelecer diretivas genéricas sobre a interpretação do RUCVFSS que deve ser adotada por outras entidades, a redação do n.º 2 do artigo 3.º veio prescrever que a apreciação dessa entidade, mesmo nos casos concretos, apenas deve incidir na matéria relativa ao espectro funcional de raiz dessa entidade. Desta forma, a CNPD apenas se deve pronunciar «sobre a conformidade do pedido face às necessidades de cumprimento das regras referentes à segurança do tratamento dos dados recolhidos, bem como acerca das medidas especiais de segurança a implementar adequadas a garantir os controlos de entrada nas instalações, dos suportes de dados, da inserção, da utilização, de acesso, da transmissão, da introdução e do transporte e, bem assim, do previsto no artigo 4.º, nos n.os 4 e 6 a 8 do artigo 7.º, e nos artigos 8.º a 10.º»[34].
Pelo que, a CNPD não tem competências de controlo das medidas de prevenção, investigação criminal ou dupla função desenvolvidas por forças ou serviços de segurança ou policiais, nomeadamente, quanto à captação e gravação de imagem e som.
Abordando de forma direta o tema da consulta, impõe-se ressaltar que a apreciação da CNPD ao abrigo do artigo 3.º, n.º 2, do RUCVFSS está funcionalmente vinculada à dimensão relativa ao tratamento automatizado, conexão, transmissão e utilização de dados pessoais, e as eventuais análises e recomendações repercutidas na captação e gravação apenas podem relevar enquanto aspetos conexos com o potencial tratamento de dados de pessoas individualizáveis[35].
Atento o âmbito da consulta e os poderes administrativos da entidade consulente, bem como o caráter de entidade administrativa independente da CNPD, o aspeto que se apresenta mais importante destacar em face da consulta são as profundas alterações da revisão de 2012 do RUCVFSS na eliminação da força vinculativa do parecer negativo, incluindo recomendações e condicionantes estabelecidas para pronúncia positiva da CNPD.
Com efeito a solicitação à CNPD para emitir parecer ao abrigo do n.º 2 do artigo 3.º do RUCVFSS constitui um dever. Existe uma obrigatoriedade no pedido de emissão de parecer, mas a pronúncia da CNPD não é vinculativa para a entidade decisora e, caso não seja proferido parecer no prazo de 60 dias a contar da data da receção do pedido, considera-se que o parecer foi positivo[36].
Consequentemente, se a CNPD condicionar o parecer positivo à verificação de determinadas condições ou restrição do âmbito objetivo do pedido (nomeadamente na medida em que não seja possível a captação e gravação de som) a entidade decisora pode autorizar a instalação sem os condicionamentos recomendados pela CNPD.
Obrigatoriedade e ausência de força vinculativa dos pareceres, mesmo negativos, da CNPD no âmbito do procedimento de autorização de instalação e utilização de câmaras que corresponde, aliás, ao regime subsidiário estabelecido no artigo 91.º, n.º 2, do Código de Procedimento Administrativo[37].
§ II.3.3 Potencialmente, a videovigilância envolvendo câmaras com captação e gravação de imagem e som, de acordo com a terminologia do RUCVFSS, permite a recolha de informação respeitante a pessoas identificadas e/ou identificáveis filmadas enquanto se movimentam em locais públicos e/ou de acesso público.
Delimitação espacial que implica que as pessoas suscetíveis de ser captadas pelos referidos sistemas (refira-se que a videovigilância compreende a obrigatória afixação, em local bem visível, de informação sobre o sistema, nos termos do artigo 4.º do RUCVFSS[38]) têm expectativas de privacidade menores do que quando se encontram em espaços vedados e em particular no domicílio, o que não significa a perda da esfera e imagem privadas — este conselho no parecer n.º 82/2008 já teve oportunidade de destacar o relevo da natureza dos espaços para efeitos de captação e gravação de imagens e sons, embora no âmbito da investigação criminal.
A Lei de Proteção de Dados Pessoais visou transpor para a ordem jurídica portuguesa a Diretiva 95/46/CE do Parlamento e do Conselho, de 24 de outubro de 1995, relativa à proteção de pessoas singulares no que diz respeito ao tratamento de dados pessoais e à livre circulação desses dados.
Diretiva em cuja exposição de motivos se excluía de forma expressa a regulação do «tratamento de dados de som e de imagem, tais como os de vigilância por vídeo» quando executados «para fins de segurança pública, de defesa, de segurança do Estado ou no exercício de atividades do Estado relativas a domínios de direito penal»[39].
Por seu turno, o artigo 9.º, n.º 2, da Convenção n.º 108 para a Proteção das Pessoas relativamente ao Tratamento Automatizado de Dados de Carácter Pessoal, de 1981 do Conselho da Europa[40] prevê a possibilidade de derrogação das respetivas disposições sobre qualidade dos dados, categorias especiais de dados e garantias adicionais para o titular dos dados «quando tal derrogação, prevista pela lei da Parte, constitua medida necessária numa sociedade democrática: a) Para proteção da segurança do Estado, da segurança pública, dos interesses monetários do Estado ou para repressão das infrações penais; b) Para proteção do titular dos dados e dos direitos e liberdades de outrem»[41].
Entretanto, a Diretiva 95/46/CE foi revogada pelo Regulamento Geral sobre a Proteção de Dados (RGPD) aprovado pelo Regulamento (UE) 2016/679 do Parlamento Europeu e do Conselho, de 27 de abril de 2016, relativo à proteção das pessoas singulares no que diz respeito ao tratamento de dados pessoais e à livre circulação desses dados. Regulamento diretamente aplicável aos 28 Estados Membros visando uniformização normativa em todos os países na União Europeia.
Regulamento que preservou intocada a referida exclusão dos tratamentos de dados pessoais através da captação de sistemas de videovigilância para fins de prevenção, investigação, deteção e repressão de infrações penais ou da execução de sanções penais.
Ao nível da União Europeia, o conceito de dados pessoais mais recentemente adotado consta do artigo 4.º, n.º 1, do RGPD compreendendo «informação relativa a uma pessoa singular identificada ou identificável», sendo «considerada identificável uma pessoa singular que possa ser identificada, direta ou indiretamente, em especial por referência a um identificador, como por exemplo um nome, um número de identificação, dados de localização, identificadores por via eletrónica ou a um ou mais elementos específicos da identidade física, fisiológica, genética, mental, económica, cultural ou social dessa pessoa singular».
Direito da União Europeia em que se pretende uma uniformização segundo a qual o conceito de tratamento abrange «uma operação ou um conjunto de operações efetuadas sobre dados pessoais ou sobre conjuntos de dados pessoais, por meios automatizados ou não automatizados, tais como a recolha, o registo, a organização, a estruturação, a conservação, a adaptação ou alteração, a recuperação, a consulta, a utilização, a divulgação por transmissão, difusão ou qualquer outra forma de disponibilização, a comparação ou interconexão, a limitação, o apagamento ou a destruição» (artigo 4.º, n.º 2, do RGPD).
Estando o conceito de dados biométricos definido no artigo 4.º, n.º 14, do RGPD como «dados pessoais resultantes de um tratamento técnico específico relativo às características físicas, fisiológicas ou comportamentais de uma pessoa singular que permitam ou confirmem a identificação única dessa pessoa singular, nomeadamente imagens faciais ou dados dactiloscópicos».
Em sintonia com o anterior direito da União, o tratamento de dados pessoais para fins de prevenção, investigação, deteção e repressão de infrações penais ou da execução de sanções penais é excluído do RGPD. Esses temas, incluindo a salvaguarda e a prevenção de ameaças à segurança pública, e de livre circulação desses dados, são objeto de um específico ato jurídico da União: Diretiva (UE) 2016/680 do Parlamento Europeu e do Conselho de 27 de abril de 2016 (da mesma data do RGPD). Na mesma data foi, ainda, aprovada a Diretiva (UE) 2016/681 do Parlamento Europeu e do Conselho, de 27 de abril de 2016, relativa à utilização dos dados dos registos de identificação dos passageiros (PNR) para efeitos de prevenção, deteção, investigação e repressão das infrações terroristas e da criminalidade grave. Essa Diretiva foi referida no parecer n.º 16/2016, de 7-9-2016[42], onde foi destacado que em face das novas manifestações de terrorismo, com as suas múltiplas implicações, esse instrumento se inseria num movimento mais global de renovação das propostas com vista à prevenção e repressão do terrorismo refletidas em instrumentos internacionais e repercutidas no processo legislativo nacional.
Os conceitos de dados pessoais, tratamento e dados biométricos estabelecidos no RGPD são retomados na Diretiva (UE) 2016/680 relativa à proteção das pessoas singulares no que diz respeito ao tratamento de dados pessoais pelas autoridades competentes para efeitos de prevenção, investigação, deteção ou repressão de infrações penais ou execução de sanções penais, e à livre circulação desses dados — artigo 3.º, n.os 1, 2 e 13.
Domínio em que se esclarece um dever ativo dos Estados em sede de prevenção e repressão penais, conforme destacado no ponto 27 da exposição de motivos da Diretiva (UE) 2016/680: «Para efeitos de prevenção, investigação ou repressão de infrações penais, é necessário que as autoridades competentes tratem os dados pessoais, recolhidos no contexto da prevenção, investigação, deteção ou repressão de infrações penais específicas para além desse contexto, a fim de obter uma melhor compreensão das atividades criminais e de estabelecer ligações entre as diferentes infrações penais detetadas».
Ênfase precedida por considerações relevantes sobre o enquadramento da videovigilância para fins de prevenção e repressão penais em face do direito da União sobre tratamento de dados pessoais: «O tratamento de dados pessoais tem de ser feito de forma lícita, leal e transparente para com as pessoas singulares em causa, e exclusivamente para os efeitos específicos previstos na lei. Tal não obsta, em si mesmo, a que as autoridades de aplicação da lei exerçam atividades tais como investigações encobertas ou videovigilância. Tais atividades podem ser executadas para efeitos de prevenção, investigação, deteção ou repressão de infrações penais ou execução de sanções penais, incluindo a salvaguarda e a prevenção de ameaças à segurança pública, desde que estejam previstas na lei e constituam uma medida necessária e proporcionada numa sociedade democrática, tendo devidamente em conta os interesses legítimos da pessoa singular em causa. A lealdade de tratamento, que constitui um dos princípios da proteção de dados, é uma noção distinta do direito a um tribunal imparcial, tal como definido no artigo 47.º da Carta e no artigo 6.º da Convenção Europeia para a Proteção dos Direitos do Homem e das Liberdades Fundamentais (CEDH). As pessoas singulares deverão ser alertadas para os riscos, regras, garantias e direitos associados ao tratamento dos seus dados pessoais e para os meios de que dispõem para exercer os seus direitos relativamente ao tratamento desses dados. Em especial, os efeitos específicos do tratamento deverão ser explícitos e legítimos, e deverão estar determinados no momento da recolha dos dados pessoais. Os dados pessoais deverão ser adequados e relevantes para os efeitos para os quais são tratados. É especialmente necessário garantir que os dados pessoais recolhidos não sejam excessivos nem conservados durante mais tempo do que o necessário para os efeitos para os quais são tratados. Os dados pessoais só deverão ser tratados se a finalidade do tratamento não puder ser atingida de forma razoável por outros meios. A fim de assegurar que os dados são conservados apenas durante o período considerado necessário, o responsável pelo tratamento deverá fixar prazos para o seu apagamento ou revisão periódica. Os Estados-Membros deverão prever garantias adequadas aplicáveis aos dados pessoais conservados durante períodos mais longos a fim de fazerem parte de arquivos de interesse público ou de serem utilizados para fins científicos, estatísticos ou históricos.»
Digressão sobre instrumentos internacionais que revela que a captação de imagens e sons no âmbito de sistemas de videovigilância para fins de segurança interna não se apresenta diretamente conformado pela regulamentação sobre tratamento de dados pessoais, e, em especial, não tem de envolver entidades administrativas responsáveis pela prestação de dados pessoais.

§ II.4 Admissibilidade, admissão e assunção da captação de som no quadro do regime legal vigente sobre utilização de câmaras de vídeo pelas forças e serviços de segurança em locais públicos de utilização comum
§ II.4.1 Esclarecidos o enquadramento funcional do RUCVFSS (supra § II.2) e as entidades competentes no procedimento relativo à instalação e utilização de câmaras (supra § II.3.1), nomeadamente, o âmbito da intervenção da CNPD (supra § II.3.2), impõe-se abordar a temática reportada a duas questões materiais suscitadas especificamente sobre a captação de som.
1- À luz do RUCVFSS «quais os pressupostos de admissibilidade de captação e gravação de som?»
2- Decorre do RUCVFSS «que a captação e gravação de som, no caso de verificação de perigo concreto para a segurança de pessoas e bens, não é admissível quando a captação e gravação de som, nessas particulares situações, afete conversas de natureza privada?»[43]
Questões que serão abordadas de forma autónoma (infra §§ II.4.2 e II.4.3), embora, atendendo a que as ponderações de valores envolvidas na avaliação da natureza privada de conversas podem incidir em juízos sobre prevenção criminal (infra § II.4.3) de investigação e prova para fins processuais penais, também se vão analisar algumas especificidades procedimentais nessa sede (infra § II.4.4)
§ II.4.2 O regime legal objeto do presente parecer compreende a atribuição de competências conformadas pelo enquadramento teleológico da instalação e manuseamento de câmaras em face das funções constitucionais de manutenção da segurança e ordem públicas e prevenção da prática de crimes, atento, nomeadamente, o disposto nos artigos 2.º, n.º 1, e 7.º, n.º 2, do RUCVFSS.
A admissibilidade da captação e gravação de som objeto do presente parecer é independente do regime estabelecido em sede de sistemas de videovigilância instalados por entidades prestadoras de serviços de segurança privada que são objeto de outra regulação legal (cf. supra § II.2.1), sendo irrelevantes na presente sede as restrições aí estabelecidas para a captação de som bem como a amplitude da competência da CNPD quanto à instalação de sistemas de videovigilância no âmbito dos aludidos serviços de segurança privada.
Reportando-nos à videovigilância para fins de segurança interna e prevenção criminal, o único valor heurístico do regime sobre segurança privada reporta-se à clara restrição estabelecida em matéria de captação limitada à imagem[44], com menção expressa de um princípio de inadmissibilidade da captação de som, além da atribuição de um poder decisório próprio à CNPD sobre admissão de casos excecionais de captação de som[45].
Quanto à segurança privada, o REASP confere à CNPD poderes decisórios sobre a admissão de sistemas de videovigilância de serviços de segurança privada que estão para além das competências dessa entidade administrativa independente em matéria de bases de dados, podendo, nomeadamente, autorizar excecionalmente a captação e gravação de som[46]. Em contraponto, ao nível da atividade policial de segurança interna desenvolvida pelas forças e serviços de segurança, o campo de intervenção da CNPD tem de se restringir ao que se encontra estabelecido pelas leis que, nomeadamente, não reconhecem a essa entidade qualquer poder decisório sobre captação de som (supra § II.3.2).
Acrescente-se que no RUCVFSS, em sentido antagónico do que se verifica no REASP restrito à imagem, a lei reporta-se de forma genérica à «captação e gravação de imagem e som» — cf. artigos 1.º, n.º 1, 2.º, n.º 2, 4.º, n.º 1, alínea b), 5.º, n.º 3, alínea b), 7.º, n.os 6, 7 e 8, 8.º, n.º 1, do RUCVFSS.
A admissão da captação de som na utilização de câmaras de vídeo ao abrigo do regime legal objeto do parecer encontra-se condicionada à verificação de perigo concreto para segurança de pessoas e bens (artigo 5.º, n.º 3, alínea c), do RUCVFSS), restringindo, assim, a suscetibilidade de captação de som a um universo delimitado de atividades de prevenção criminal, apenas quando existem determinados perigos concretos. Existindo uma responsabilidade delimitadora própria da entidade com poder de autorizar a instalação ou a utilização, no momento da admissão, e ainda, das forças e serviços de segurança na assunção que lhes compete nos momentos de captação, gravação e tratamento (atentas, nomeadamente, as disposições dos artigos 5.º, n.º 3, alínea b), e 7.º, n.os 2, 3 e 7, do RUCVFSS)
Sem embargo das referidas especificidades na admissão e assunção das captações, gravações e tratamento do som, o RUCVFSS compreende uma regulação da admissibilidade da atividade de captação e gravação de sons indissociável da imagem, em particular quanto aos limites abstratos estabelecidos.
Plano genérico em que a utilização de câmaras de vídeo relativamente ao interior de casa ou edifício habitado ou sua dependência apenas é admissível se houver consentimento dos proprietários e de quem o habite legitimamente ou autorização judicial, nos termos do disposto no número 6 do artigo 7.º do RUCVFSS (enquanto corolário da proteção constitucional do domicílio em que a tutela dos interesses em colisão não pode ser realizada isoladamente pela polícia exigindo intervenção judicial e não de uma entidade administrativa independente). Sem olvidar que o RUCVFSS condiciona a captação e gravação de som por câmaras de vídeo utilizadas ao abrigo desse regime à prossecução das finalidades gerais (supra § II.2.1) e, como se referiu, à existência de perigo concreto para segurança de pessoas e bens (artigo 5.º, n.º 3, alínea c), do RUCVFSS), regime que deriva de uma ponderação legislativa sobre as colisões entre os direitos à liberdade e à segurança.
Captação de som analiticamente autónoma da gravação de som que, por seu turno, não implica necessariamente tratamento de dados pessoais, pelo que, a eventual pronúncia da CNPD sobre a capacidade dos sistemas captarem e gravarem conversas (questionada na fundamentação da consulta) tem de ser enquadrada enquanto via instrumental de segurança para garantir a impossibilidade de tratamentos de dados pessoais extraídos de conversas. Destrinça analítica das vertentes de captação e gravação de imagens e sons que implica o reconhecimento de que a gravação de som é suscetível de compreender implicações específicas ao nível das exigências subsequentes sobre a segurança do tratamento de dados pessoais recolhidos, domínio que legitima, nesse campo restrito, juízos valorativos da CNPD sobre a matéria. Nessa medida, a CNPD ao pronunciar-se sobre a admissão de um concreto pedido de utilização de câmaras fixas, ao abrigo do disposto no artigo 3.º, n.º 2, do RUCVFSS, pode prescrever que o parecer positivo fica condicionado à impossibilidade de gravação de som, fundamentando-o nos riscos de segurança do tratamento de dados fonéticos envolvidos no sistema específico objeto de parecer (cf. supra § II.3.3).
Sendo subjacente à consulta uma disparidade de entendimentos entre a CNPD e o membro do Governo competente para as decisões de autorização sobre a admissibilidade da captação de som, deve relembrar-se o quadro procedimental que apresenta dois corolários importantes: (1) Em sede de admissão da instalação de câmaras fixas ao abrigo do RUCVFSS pode ser ponderada, pela entidade com poder de autorização, em face dos princípios da necessidade, adequação e proporcionalidade, a restrição da autorização à captação e gravação de imagem sem som; (2) A pronúncia da CNPD ao abrigo do artigo 3.º, n.º 2, do RUCVFSS não é vinculativa para a entidade com competência decisória ao abrigo do artigo 3.º, n.º 1, do RUCVFSS, a qual pode, nomeadamente, rejeitar eventuais recomendações da CNPD relativas à captação e gravação de imagem e som.
Para além do estabelecimento de um campo de ação própria da entidade com poderes decisórios na admissão da instalação e utilização de câmaras sobre a suscetibilidade da captação de som existe um segundo filtro procedimental: A captação de sons depende de um juízo da força ou serviço de segurança responsável pela utilização das câmaras sobre a sua necessidade, adequação e proporcionalidade em face dos específicos fins de manutenção da segurança e ordem públicas e prevenção da prática de crimes prosseguidos e efeitos colaterais sobre a privacidade, devendo as condições de uso do sistema ser estabelecidas na decisão governamental de autorização e os requisitos técnicos mínimos do equipamento objeto de definição por portaria do membro do Governo responsável pela área da administração interna, ouvida a CNPD, no quadro do disposto pelo artigo 272.º, n.os 1 a 3, da Constituição, atentas, nomeadamente, as disposições conjugadas dos artigos 3.º, n.º 1, 5.º, n.os 3 e 7, 6.º, n.º 1, e 7.º, n.os 1 e 3, do RUCVFSS e dos artigos 2.º, n.os 1 e 2, 6.º, n.º 2, 30.º e 32.º, da Lei de Segurança Interna aprovada pela Lei n.º 53/2008, de 29 de agosto.
Domínio funcional que envolve o núcleo das atribuições policiais, previstas no artigo 272.º, n.º 3, da Constituição, «a prevenção dos crimes, incluindo a dos crimes contra a segurança do Estado, só pode fazer-se com observância das regras gerais sobre polícia e com respeito pelos direitos, liberdades e garantias dos cidadãos» (supra § II.2.2).
Como se destacou no parecer n.º 26/2013, de 20-2-2014, deste Conselho Consultivo, a referência a uma problemática que tem como foco perigos concretos transporta uma axiologia constitucional relativa às funções de polícia. Retomando a formulação então preconizada trata-se de uma «problemática cuja dogmática é estruturada sobre o conceito de prevenção de perigos, incidindo as questões da consulta em ações geradas por “perigos concretos”, no sentido de envolverem contextos espaciais e temporais suscetíveis de delimitação a partir de balizas empíricas especificadas, por contraponto à conceptualização do direito policial sobre perigo abstrato relativo a situações perigosas em geral — categorias que não se devem confundir com os conceitos de perigo abstrato e concreto da dogmática penal». Existem, assim, parâmetros sobre perigos conformadores das medidas de polícia, sejam as mesmas designadas como gerais ou especiais (supra § II.2.2), cuja densificação não integra o objeto do presente parecer.
Retornando ao objeto do parecer, em face das categorias conceptuais conformadoras das medidas de polícia, compreende-se o sentido prescritivo da norma sobre a atividade de prevenção criminal regulada no RUCVFSS no sentido de a mesma quando envolve captação de sons se encontrar obrigatoriamente reportada a perigos concretos. Plano em que se retomará, uma vez mais, a reflexão empreendida no parecer n.º 26/2013:
«Existe aqui uma delicada teia de interpenetrações funcionais e interdependências orgânicas em vertentes que se encontram a montante e a jusante da notícia do crime. Daí que, sem iludir a polissemia do conceito de prevenção criminal (com reflexos, nomeadamente, no direito penal substantivo), importe, estabelecer uma linha fulcral de enquadramento do tema do presente parecer (e o quadro operativo da atividade consultiva subjacente) tendo por referência uma perspetiva pragmática sobre a potencial dimensão diacrónica do conhecimento da notícia do crime.
«Isto é, sendo certo que a atividade indagatória do Estado anterior à prática de factos penalmente puníveis se integra na prevenção criminal, aquela também pode ser desenvolvida num quadro em que já ocorreram esses factos sem que os mesmos sejam conhecidos com contornos minimamente definidos pelas instâncias formais de controlo (não se podendo olvidar que nesta matéria as categorias dogmáticas penais não podem ser comprimidas em abordagens estritamente empíricas, em face de conceitos como os de atos preparatórios e crimes de perigo abstrato). Manifestação da componente epistemológica da autonomia conceptual entre os direitos penal e processual penal ou os diferentes momentos de realização desses ramos do direito.»
Segmento funcional da segurança e prevenção criminal em que, no quadro constitucional português, se reconhece às forças e serviços de segurança um estatuto e legitimidade constitucionais próprios para valorações no quadro legal sobre medidas de polícia, inclusive na tomada de decisões cruciais no Estado de direito sobre proteção e potencial lesão de vidas humanas.
Domínio funcional abrangido pela RUCVFSS em que competências de entidades policiais também compreendem repartições interorgânicas que não são objeto da consulta. Nessa medida apenas se justifica assinalar que, tal como se verifica em sede de repressão criminal, existem deveres ativos de cooperação entre forças e serviços de segurança expressamente consignados no artigo 6.º da LSI, nomeadamente, quando existe deteção de perigos concretos para pessoas e bens[47].
§ II.4.3. A exigência de ponderações sobre valores em colisão tem de ser atendida pela administração em vários momentos, nomeadamente em campos em que a superação do lastro de automatismos acríticos exige o reconhecimento de específicas responsabilidades decisórias. Como se destacou no parecer n.º 3/2016, de 21-4-2016[48], a propósito do poder disciplinar no âmbito de forças de segurança, «o equilíbrio das necessidades disciplinares com os direitos subjetivos do trabalhador deve ser abordado a partir de uma perspetiva axiológico-teleológica, isto é de adequação de valores»[49].
Operações de concordância em que a polícia é frequentemente convocada para algumas das mais exigentes tarefas no quadro do Estado de direito, podendo ter de integrar nos seus juízos axiológicos interesses e fins públicos que estão para além do espectro funcional da polícia. Retornando ao parecer n.º 8/2012, então houve oportunidade de destacar que «as medidas de dupla função que envolvem mais do que um tipo de finalidade exigem delicadas operações de concordância prática, em que se exige a ponderação dos fins prosseguidos e dos meios necessários, pertinentes, adequados e proporcionais».
Quadro em que as exigências de ponderação envolvidas na aplicação do RUCVFSS pelas forças e serviços de segurança se integram na responsabilidade constitucional própria dessas entidades que, noutros campos operacionais, podem compreender decisões sobre perigos diretos e imediatos sobre o valor vida, nomeadamente de suspeitos e pessoas em perigo, potencialmente mais exigentes e difíceis do que as que têm de ser assumidas no quadro da videovigilância com captação e gravação de som sobre a prevenção de perigos concretos para pessoas e o interesse de suspeitos no sigilo de conversas desenvolvidas em áreas públicas de utilização comum.
Existe um campo de ponderações estabelecidas de forma prescritiva pelo legislador e, consequentemente, retirados ao poder de decisão casuística policial, como os relativos à captação de imagens e sons abrangentes do interior de casa ou edifício habitado ou sua dependência, em que, na falta de consentimento dos proprietários e de quem o habite legitimamente, se exige autorização judicial (nos termos do disposto no número 6 do artigo 7.º do RUCVFSS). Coordenadas espaciais que também determinam que se proíba a instalação de câmaras fixas em áreas que, apesar de situadas em locais públicos, sejam, pela sua natureza, destinadas a ser utilizadas em resguardo (artigo 7.º, n.º 4, do RUCVFSS).
Relativamente à captação de imagens e sons em locais públicos de uso comum que não apresentam as referidas particularidades espaciais, podem afetar, de forma direta e imediata, a intimidade das pessoas, ou resultar na gravação de conversas abrangidas por legítimas expetativas de sigilo e reserva (sem olvidar as condições de instalação dos sistemas de câmaras fixas, nomeadamente, quanto à obrigatoriedade de avisos previstos no artigo 4.º do RUCVFSS, supra §§ II.3.2 e II.3.3).
A tutela do valor privacidade na sociedade contemporânea é incompatível com o estabelecimento de prescrições absolutas e inequívocas sobre conteúdos, sendo um campo em que se exigem múltiplas operações de concordância prática. A título ilustrativo, os valores constitucionais de proteção da família determinam que se releve a privacidade das relações e interações comunicacionais entre cônjuges (captáveis pela visão e/ou audição), contudo não existe uma proteção absoluta e se os membros de um casal atuam com vista à prática de um ato terrorista suscetível de colocar em perigo a vida de pessoas, a sua expetativa de reserva nas conversas conjugais pode ser legitimamente objeto de uma muito significativa compressão.
Dimensão da privacidade cuja tutela constitucional é no mundo ocidental perspetivada tendo por referência os paradigmas desenvolvidos nos Estados Unidos da América e Alemanha, relacionados com expectativas sociais conformadas por tradições filosóficas e experiências históricas distintas[50].
Entretanto, o impacto do desenvolvimento tecnológico nas últimas décadas tem acentuado a adoção de conceções de proteção da tutela da privacidade à luz de cânones reforçadamente liberais, concebida a privacidade como domínio da autonomia pessoal, moderando as ambições de construções jurídicas a partir de teorizações sobre o núcleo interior da pessoa. Tendências de reconceptualização e reinterpretação de coordenadas constitucionais marcadas pela progressiva superação de conceções ou ilusões sobre um modelo de sociedade com homogeneidade cultural em que a assunção da heterogeneidade social determina o desenvolvimento de jurisprudências constitucionais com ênfase na autodeterminação, traçando a partir dessa base limites à liberdade individual e ao controlo estadual.
Quadro em que a proliferação de dispositivos eletrónicos de captação e gravação de imagem e som (desde os portáteis aos fixos) determinou uma reconceptualização da proteção da privacidade, e, no caso do direito português, compreende domínios com tutela autónoma como os direitos pessoais à imagem e à palavra, por via do artigo 26.º, n.º 1, da Constituição, cuja exegese exige atenção à relatividade histórico-cultural desses valores. Norma constitucional que compreende um reenvio dinâmico para a lei em matéria de proteções, carecidas de integração pelos intérpretes e aplicadores atentos ao plano axiológico constitucional e a outras dimensões e exigências, em particular deveres de proteção da liberdade e segurança de pessoas e do Estado (repercutidas nas funções judiciárias e policiais). Plano em que é incontornável um diálogo atento à reconfiguração da privacidade numa cultura mediada pela tecnologia tendo por fundo o espectro das alterações tecnológicas e de cânones sobre a comunicação na esfera pública, em que muitos autores consideram que se estão a reinventar ou mesmo a destruir as distinções tradicionais sobre privacidade[51].
Na economia do presente parecer justifica-se fundamentalmente sublinhar que relativamente a conversas realizadas em espaço público a circunstância de se destinarem a um universo restrito de ouvintes unidos por uma expetativa de reserva e sigilo não determina uma proteção irrestrita contra a suscetibilidade de captação de sons, sendo certo que, em regra, as conversas com relevo para prevenção de infrações penais e que envolvem perigo concreto para segurança de pessoas e bens compreendem pactos de silêncio e pretensões de que o seu conhecimento seja reservado aos diretamente envolvidos na interação comunicativa.
Pode, ainda, afirmar-se que se deve obstar à captação de conversas em que existe expetativa de reserva dos interlocutores quando as mesmas não se apresentam relevantes para efeitos de prevenção de perigo concreto para segurança de pessoas e bens, nos termos do disposto nos artigos 5.º, n.º 3, alínea b) e 7.º, n.º 7, parte final, do RUCVFSS. Sendo captadas e gravadas conversas de natureza privada insuscetíveis de teremr relevo para efeitos de prevenção, investigação, deteção ou repressão de infrações penais deve ser determinada a sua destruição pela força ou serviço de segurança responsável pelo tratamento, ao abrigo das disposições conjugadas dos artigos 2.º, n.º 2, e 7.º, n.º 8, do RUCVFSS.
Daniel J. Solove, no culminar de um dos seus ensaios sobre privacidade e segurança, conclui: «Quando se está a balancear direitos e liberdades contra interesses do Estado é imperativo que o balanceamento seja feito de forma correta. Segurança e privacidade frequentemente entram em colisão, mas não há necessidade de estabelecer uma troca de soma zero. Existe uma via para reconciliar privacidade e segurança: colocando os programas sob vigilância, limitando os futuros usos de dados pessoais, e assegurando que os programas são levados a cabo de uma forma equilibrada e controlada»[52].
Sendo estranha ao presente parecer uma avaliação que extravase um juízo de legalidade, importa destacar que a interpretação do RUCVFSS sobre os equilíbrios relativos às colisões de valores compreende também uma opção de separação de etapas, entre a captação e a gravação, e os limites ao uso superveniente, em particular no que concerne ao subsequente tratamento de dados pessoais. Em sintonia, aliás, com vários instrumentos internacionais sobre a matéria (supra § II.3.3).
Desta forma, numa determinada etapa, e dentro dos parâmetros estabelecidos pela lei (designadamente sobre contextos espaciais) e pela decisão governamental de autorização, as ponderações sobre valores, nomeadamente de tutela da privacidade e volatilidade da palavra falada em face das exigências de prevenção relativas a perigo(s) concreto(s) para segurança de pessoas e bens, devem ser empreendidas pela força ou serviço de segurança responsável pela análise da informação obtida pela captação e gravação de imagens e sons, ao abrigo, nomeadamente, do disposto no artigo 272.º, n.os 1, 2 e 3, da Constituição e do artigo 2.º, n.º 2, do RUCVFSS, tendo presente, ainda, a arquitetura sistémico-funcional estabelecida no RGPD aprovado pelo Regulamento (UE) 2016/679 do Parlamento Europeu e do Conselho e na Diretiva (UE) 2016/680 do Parlamento Europeu e do Conselho (supra § II.3.3).
§ II.4.4 Chegados a este passo importa uma última nota atenta à interpenetração funcional com a repressão criminal. Plano em que se retomam algumas considerações desenvolvidas no parecer n.º 26/2013:
«Delimitar pressupostos e contornos que um ato comunicacional tem de preencher para ser uma notícia do crime (funcionalmente relevante para a abertura da fase de inquérito do processo penal) apresenta-se, antes do mais, como uma problemática que envolve um fator presente em diferentes dimensões do procedimento de investigação criminal: os limites à intervenção estadual, no caso consubstanciados na notícia do crime enquanto pressuposto do desenvolvimento de um universo linguístico específico, a fase de inquérito do processo penal.
«Conceito de notícia do crime que tem, desde logo, de ser objeto de uma delimitação negativa relativa à exigência de se reportar a um facto específico que constitua a mola idónea para o desenvolvimento de um procedimento investigatório relativo a um evento histórico[53].
«Em termos procedimentais, a notícia do crime integra a informação de um facto destinada ao Ministério Público ainda que tramitada através de uma outra entidade que tem a obrigação de a transmitir.
«Numa análise diacrónica podem identificar-se duas fases ao nível das operações valorativas a empreender pelo Ministério Público sobre o expediente que lhe é apresentado e se afigura suscetível de configurar uma notícia do crime:
«1. Primeiro, compete em especial ao Ministério Público receber as denúncias, as queixas e as participações e apreciar o seguimento a dar-lhes[54].
«2. Aberto inquérito impõe-se um outro juízo valorativo ao titular da ação penal: determinar o curso do inquérito como atividade[55].
«Cânones que se relacionam com as funções do Ministério Público diretamente estabelecidas na lei processual e que, enquanto aspeto correlacionado com os limites da ação estadual, exige uma análise integrada desses dois vetores ou responsabilidades decisórias do Ministério Público: (1) a abertura de inquérito e (2) a direção do inquérito.»
As competências próprias do Ministério Público na investigação, deteção ou repressão de infrações penais refletem-se em regimes relativos a atividade de prevenção criminal, estando expressamente previstos no RUCVFSS dois corolários dessa interpenetração funcional:
– O artigo 8.º, n.º 1, do RUCVFSS, em sintonia com os deveres gerais de comunicação de notícias do crime, estabelece que quando uma gravação, realizada de acordo com o RUCVFSS, registe a prática de factos com relevância criminal, a força ou serviço de segurança que utilize o sistema elabora auto de notícia, que remete ao Ministério Público juntamente com a fita ou suporte original das imagens e sons, no mais curto prazo possível ou, no máximo, até 72 horas após o conhecimento da prática dos factos.
– No RUCVFSS, o procedimento relativo à admissão da utilização de câmaras fixas e portáteis (cf. supra § II.3.1), depois da revisão de 2012 passou a ser complementado por uma etapa adicional (nos procedimentos ordinários e urgentes) prevista no artigo 8.º, n.º 3, do RUCVFSS: A decisão de autorização de instalação de câmaras e a decisão de instalação em caso de urgência são comunicadas ao Ministério Público (informações que devem ser processadas no âmbito desse órgão de administração da justiça à luz das respetivas responsabilidades no sistema penal).
Neste domínio, os deveres proativos das forças e serviços de segurança estão para além da transmissão da notícia do crime acompanhada do suporte das gravações. Do artigo 249.º, n.os 1 e 3, do Código de Processo Penal (CPP) decorre que obtida informação sobre meios de prova no quadro de medidas de polícia em sentido estrito por parte de entidades policiais, se as mesmas forem também órgãos de polícia criminal (artigo 1.º, alínea c), do CPP) devem, ainda, praticar os atos cautelares e urgentes para assegurar os meios de prova. Medidas cautelares que, no caso da preservação dos vestígios para efeitos de exames, enquanto não estiver presente autoridade judiciária ou órgão de polícia criminal competentes, cabem a qualquer agente da autoridade (atento o disposto no artigo 171.º, n.os 2 e 4, do CPP), para além dos deveres de detenção em flagrante delito por qualquer entidade policial (artigo 255.º, n.º 1, alínea c), do CPP).
Como este Conselho tem afirmado em algumas ocasiões (cf. pareceres n.º 45/2012 e n.º 26/2013), os parâmetros de leitura das medidas cautelares e de polícia como regras de competência conformam, no plano normativo, as próprias medidas de polícia em sentido estrito. Reafirmando-se neste ponto a ideia adotada no sentido de que as previsões sobre medidas de polícia em sentido estrito se compreendem teleologicamente como normas de competência (supra § II.2.2).
Desta forma, retomando a fundamentação do parecer n.º 45/2012, «o universo de poderes no quadro de medidas cautelares e de polícia reporta-se a funções de coadjuvação proativa dos órgãos de polícia criminal relativamente às autoridades judiciárias. Pelo que, o campo de atos que podem (ou não) ser praticados nesse domínio, de substituição precária da autoridade competente, não deve ser confundido com a suscetibilidade de atos materiais similares no quadro das competências precípuas das entidades policiais».
Funções próprias da polícia que também foram objeto de análise no já citado parecer n.º 8/2012, de 27-9-2012:
«No modelo jurídico-constitucional português, em matéria de ilícitos criminais a separação de atribuições repressivas e preventivas está associada à distinção de fins, ainda que com elementos de interdependência, entre a justiça penal e a polícia em sentido estrito (prevista no artigo 272.º da Constituição). Contexto em que as autoridades policiais devem, mesmo por iniciativa própria, colher notícia dos crimes e impedir tanto quanto possível as suas consequências, para além de incumbir à polícia prevenir a prática de quaisquer crimes.
«Uma ação estadual unitária no plano empírico (por exemplo na sequência da notícia de um crime) pode compreender cumulação de finalidades, mas nas operações valorativas e decisórias, pelo menos fora de um quadro de urgência, deve sempre subsistir ‘a delimitação funcional e orgânica’ quanto a cada uma das dimensões. Por outro lado, existindo múltiplas continuidades entre, por um lado, funções policiais em sentido estrito, e, por outro, atividades repressivas, expressas designadamente na substituição excecional das autoridades judiciárias por órgãos de polícia criminal, o padrão de legalidade procedimental deve sempre conformar as duas atividades.
«As medidas de dupla função que envolvem mais do que um tipo de finalidade exigem delicadas operações de concordância prática, em que se exige a ponderação dos fins prosseguidos e dos meios necessários, pertinentes, adequados e proporcionais[56].
«Este é um universo problemático que marca a intervenção da PSP e da GNR em face da notícia de crimes, já que constitui atribuição nuclear dessas entidades ‘prevenir a criminalidade em geral, em coordenação com as demais forças e serviços de segurança’[57]».
Domínio em que a atribuição pela lei da competência às forças de segurança para ponderações de valores no quadro de medidas de polícia em sentido estrito, sem intervenção de entidades administrativas competentes para as bases de dados, para além de ser o resultado de uma opção política expressa (supra § II.3.2), apresenta-se coerente com o modelo preconizado ao nível da União Europeia (supra § II.3.3) e a arquitetura constitucional portuguesa (supra § II.2.2).
Separação de competências, apesar das mais fortes interpenetrações funcionais que conformam as atividades de prevenção e investigação criminais com uma raiz axiológica e implicações analíticas, destacadas no parecer n.º 26/2013, daí o sublinhado, «verifica-se uma incompatibilidade conceptual entre as medidas cautelares e de polícia e as ações preventivas»[58].
Neste quadro, o dever estabelecido no artigo 8.º, n.º 1, do RUCVFSS de remessa de auto ao Ministério Público juntamente com a fita ou suporte original das imagens e sons reporta-se ao dever de transmissão de notícia do crime e ainda de quaisquer informações relevantes sobre crimes em investigação, atento, nomeadamente, o disposto no artigo 249.º, n.º 3, do CPP.
As ponderações sobre elementos de investigação e de prova, nomeadamente, quanto à aquisição de meios de prova ao abrigo das disposições conjugadas dos artigos 164.º, 165.º e 167.º do CPP, devem ser empreendidas pela autoridade judiciária competente de acordo com as regras sobre o direito probatório penal.
Contexto em que, como se destacou no parecer n.º 26/2012, de 13-9-2012[59], o «direito probatório penal compreende um corpo de regras que determinam a informação que deve ser adquirida e valorada no processo e a forma como pode ser obtida a prova, num contexto de realização do direito penal com reservas constitucionais. Nesse corpo de regras estão, designadamente, compreendidas vertentes epistemológicas relativas à descoberta da verdade (com dimensões gnoseológicas sobre a fiabilidade do conhecimento do facto) e vertentes políticas relativas ao exercício legítimo da pretensão punitiva do Estado (envolvendo direitos fundamentais)».
Direito probatório penal em que as razões epistemológicas e políticas podem confluir ou divergir quanto à via de solução, existindo uma tensão com a consequente necessidade de ponderação de valores (em primeira linha pelo legislador e, numa segunda fase, pelos intérpretes e aplicadores).
Retomando a abordagem desenvolvida no parecer n.º 26/2012, «no sistema jurídico-constitucional português, o processo penal, enquanto universo prático-jurídico, compreende uma reserva judiciária em que se articulam as competências do Ministério Público, relativas à ação penal, com as dos tribunais judiciais, órgãos de soberania independentes responsáveis pela repressão criminal. Vertentes que implicam que a aplicação do direito aos casos concretos em processo penal não integre as competências do Governo, pautas que conformam o disposto nos artigos 32.º, 165.º, n.º 1, alínea c), 182.º, 202.º, n.os 1 e 2, e 219.º, n.º 1, da Constituição, sem prejuízo do dever de “coadjuvação” dos tribunais (diretamente prescrito no n.º 3 do artigo 202.º da Constituição)».
Em linha com a doutrina desse parecer impõe-se, assim, destacar que as coordenadas jurídico-constitucionais se afiguram incompatíveis com soluções jurídicas em que as ponderações de valores relativas à aplicação do direito ao caso concreto para os fins do processo penal fossem empreendidas pelo executivo, ou por uma entidade administrativa independente, num procedimento alheio às autoridades judiciárias[60].
Recorde-se que, como foi destacado no parecer n.º 23/2013, de 10-4-2014[61], verificando-se um quadro de urgência para a «prática de um ato relevante para as finalidades do inquérito, na impossibilidade de comunicação com o Ministério Público competente, o órgão de polícia criminal pode contactar qualquer magistrado ou agente do Ministério Público e este pode determinar os atos urgentes de aquisição e conservação de meios de prova que considerar pertinentes ao abrigo do disposto no artigo 264.º, n.º 4, do Código de Processo Penal».
Parecer n.º 23/2013 cujas conclusões 12.ª a 14.ª também se apresentam relevantes para o quadro de ação de órgãos de polícia criminal, em particular a PSP e a GNR, quando ao procederem à captação, gravação ou tratamento de filmagens realizadas ao abrigo do RUCVFSS no desenvolvimento da sua atividade de prevenção se confrontam com factos criminais:
«12. Independentemente da repartição de responsabilidades de coadjuvação estabelecida pelos artigos 3.º, 4.º, n.º 2, 6.º e 7.º da Lei de Organização da Investigação Criminal, qualquer órgão de polícia criminal tem o dever de praticar os atos cautelares necessários e urgentes para assegurar os meios de prova, atento, nomeadamente, o disposto no artigo 249.º do Código de Processo Penal.
«13. A suscetibilidade da prática de atos cautelares por qualquer órgão de polícia criminal pode, inclusive, operar-se, “mesmo após a intervenção da autoridade judiciária” já que cabe a qualquer órgão de polícia criminal «assegurar novos meios de prova de que tiverem conhecimento, sem prejuízo de deverem dar deles notícia imediata àquela autoridade» (nos termos do artigo 249.º, n.º 3, do Código de Processo Penal).
«14. Se o órgão de polícia criminal que obteve notícia de um crime tem dúvidas sobre o enquadramento dos factos objeto do inquérito com reflexos na aplicação dos critérios sobre a divisão das responsabilidades de coadjuvação entre os órgãos de polícia criminal deve suscitar a questão ao Ministério Público competente, sem prejuízo do seu dever de ação oficiosa relativamente a todos os atos cautelares e urgentes.»
Em face do exposto, a incursão sobre o quadro jurídico regulador da problemática do conhecimento de factos com relevância criminal ou provas sobre os mesmos no contexto de atividades de manutenção da segurança e ordem públicas e prevenção da prática de crimes permite extrair uma derradeira conclusão:
Existindo notícia de crime (conhecida com a captação, no tratamento da gravação ou sendo uma notícia anterior em que a gravação constitui um eventual meio de prova), a ponderação de valores relativa à colisão da tutela da privacidade e da volatilidade da palavra falada com interesses e fins do processo penal, nomeadamente de recolha e preservação de meios de prova, deve ser empreendida por autoridade judiciária, à qual devem ser transmitidos todos os elementos atentas, nomeadamente, as disposições dos artigos 8.º, n.º 1, do RUCVFSS e os artigos 124.º, 164.º, 165.º, 167.º, 171.º, 242.º, 248.º e 249.º do CPP.

III. Conclusões
Em face do exposto, formulam-se as seguintes conclusões:
1. O regime sobre utilização de câmaras de vídeo pelas forças e serviços de segurança em locais públicos de utilização comum (RUCVFSS) aprovado pela Lei n.º 1/2005, de 29 de julho, na redação que se encontra em vigor após a revisão operada pela Lei n.º 9/2012, de 23 de fevereiro, visa a manutenção da segurança e ordem públicas e prevenção da prática de crimes restringindo a utilização de câmaras em contextos espaciais de uso comum à prossecução de um conjunto de finalidades específicas enunciadas taxativamente na lei, atento, nomeadamente, o disposto nos artigos 2.º, n.º 1, e 7.º, n.º 2, do RUCVFSS.
2. A admissão da instalação e utilização de câmaras regulada no RUCVFSS compreende um procedimento complexo com as seguintes etapas:
a) Pedido de autorização formulado por dirigente máximo de força ou serviço de segurança ou por presidente de câmara municipal;
b) Parecer da Comissão Nacional de Proteção de Dados (CNPD);
c) Decisão de autorização do membro do Governo que tutela a força ou serviço de segurança requerente ou que vai monitorizar as câmaras (quando a instalação foi requerida por presidente de câmara municipal), a qual é suscetível de delegação nos termos legais.
3. O parecer da CNPD proferido ao abrigo do artigo 3.º, n.º 2, do RUCVFSS está funcionalmente vinculado à dimensão relativa ao tratamento automatizado, conexão, transmissão e utilização de dados pessoais, e as eventuais análises e recomendações relativas à captação e gravação de imagens e/ou sons estão dependentes de específicas conexões com o potencial tratamento de dados de pessoas individualizáveis.
4. A pronúncia da CNPD ao abrigo do artigo 3.º, n.os 2 e 7, do RUCVFSS não é vinculativa para a entidade com competência decisória ao abrigo do artigo 3.º, n.º 1, do RUCVFSS, a qual pode, nomeadamente, rejeitar eventuais recomendações da CNPD relativas à captação e gravação de imagem e som e proferir decisão de autorização apesar de parecer negativo da entidade administrativa independente.
5. A utilização de câmaras de vídeo regulada pelo RUCVFSS apenas pode compreender a captação de sons quando, além das finalidades referidas na conclusão 1.ª, se verifique perigo concreto para a segurança de pessoas e bens.
6. O regime estabelecido no RUCVFSS sobre a captação e gravação de som por câmaras de vídeo utilizadas ao abrigo desse diploma deriva de uma ponderação legislativa sobre colisões entre liberdades e segurança.
7. As limitações e condições de uso do sistema devem ser estabelecidas na decisão governamental de autorização e os requisitos técnicos mínimos do equipamento têm de ser prescritos, ouvida a CNPD, por portaria do membro do Governo responsável pela área da administração interna, ao abrigo do artigo 5.º, n.os 3 e 7, do RUCVFSS.
8. A eventual captação e gravação de sons depende de um juízo da força ou serviço de segurança responsável pela utilização das câmaras sobre a necessidade, adequação e proporcionalidade dessa captação em face dos específicos fins de manutenção da segurança e ordem públicas e prevenção da prática de crimes prosseguidos bem como dos efeitos colaterais sobre direitos individuais à privacidade e palavra, no quadro estabelecido pelo artigo 272.º, n.os 1 a 3, da Constituição, e pelas disposições conjugadas dos artigos 3.º, n.º 1, 5.º, n.os 3 e 7, 6.º, n.º 1, e 7.º, n.os 1 e 3, do RUCVFSS e dos artigos 2.º, n.os 1 e 2, 6.º, n.º 2, 30.º e 32.º, da Lei de Segurança Interna aprovada pela Lei n.º 53/2008, de 29 de agosto.
9. A utilização de câmaras de vídeo ao abrigo do RUCVFSS para abranger interior de casa ou edifício habitado ou sua dependência quando não exista consentimento dos proprietários e de quem o habite legitimamente carece de autorização judicial, nos termos do disposto no número 6 do artigo 7.º do RUCVFSS.
10. Relativamente a conversas realizadas em espaço público de utilização comum, a circunstância de se destinarem a um universo restrito de ouvintes unidos por uma expetativa de reserva e sigilo não determina uma proteção irrestrita contra a suscetibilidade de captação de sons, sendo certo que, em regra, as conversas com relevo para prevenção de infrações penais e que envolvem perigo concreto para a segurança de pessoas e bens compreendem pactos de silêncio e pretensões de que o seu conhecimento seja reservado aos diretamente envolvidos na interação comunicativa.
11. Em sede de captação e gravação de imagens e sons por câmaras de vídeo utilizadas ao abrigo do RUCVFSS, as ponderações casuísticas sobre colisões entre os valores de tutela da privacidade, proteção da imagem e palavra com as exigências de prevenção relativas a perigo(s) concreto(s) para segurança de pessoas e bens são empreendidas, no quadro estabelecido legalmente, pelas forças ou serviços de segurança em sintonia com a arquitetura sistémico-funcional estabelecida no artigo 272.º da Constituição e em coerência com o modelo subjacente ao Regulamento Geral sobre a Proteção de Dados (RGPD) aprovado pelo Regulamento (UE) 2016/679 do Parlamento Europeu e do Conselho, de 27 de abril de 2016, e à Diretiva (UE) 2016/680 do Parlamento Europeu e do Conselho, também de 27 de abril de 2016, relativa à proteção das pessoas singulares no que diz respeito ao tratamento de dados pessoais pelas autoridades competentes para efeitos de prevenção, investigação, deteção ou repressão de infrações penais ou execução de sanções penais, e à livre circulação desses dados.
12. Existindo notícia de crime relativamente ao qual a gravação realizada ao abrigo do RUCVFSS pode compreender elementos de investigação e/ou prova, deve ser transmitida ao Ministério Público a fita ou suporte original das imagens e sons, com o objetivo de as ponderações sobre colisões de valores relativos, por um lado, à tutela da privacidade, proteção da imagem e palavra e, por outro, aos interesses e fins do processo penal, nomeadamente de recolha e preservação de meios de prova, serem empreendidas por autoridade judiciária, atentas, nomeadamente, as disposições dos artigos 8.º, n.º 1, do RUCVFSS e dos artigos 124.º, 164.º, 165.º, 167.º, 171.º, 242.º, 248.º e 249.º do Código de Processo Penal.

ESTE PARECER FOI VOTADO NA SESSÃO DO CONSELHO CONSULTIVO DA PROCURADORIA-GERAL DA REPÚBLICA, DE 08 DE JUNHO DE 2017.

Maria Joana Raposo marques Vidal – Paulo Joaquim da Mota Osório Dá Mesquita (Relator) – Eduardo André Folque da Costa Ferreira – João Eduardo Cura Mariano Esteves – Vinício Augusto Pereira Ribeiro – Maria Isabel Fernandes da Costa – Maria de Fátima da Graça Carvalho – Fernando Bento – Maria Manuela Flores Ferreira – Francisco José Pinto dos Santos.

[1] Ofício de 4-5-2017, tendo o processo sido distribuído ao relator ao abrigo dos artigos 38.º, n.º 2, do EMP e 11.º, n.º 5, do Regimento do Conselho Consultivo no dia 5-5-2017 e entregue no dia 8-5-2017 (segunda-feira).
[2] A consulta, além da fundamentação subscrita por Sua Excelência a Senhora Secretária de Estado Adjunta e da Administração Interna (SEAAI), foi acompanhada da seguinte documentação: Pareceres n.º 40/2016 e n.º 68/2009 da CNPD; Despachos n.os 953/2017 e 1111/2017 da SEAAI; Ofício n.º 4044, de 1-2-2017, da Presidente da CNPD dirigido à SEAAI; Resposta da SEAAI de 23-2-2017 ao ofício n.º 4044; Ofício n.º 8956, de 15-3-2017, da Presidente da CNPD dirigido à SEAAI.
[3] Publicado no Diário da República II.ª Série, de 21-1-2013 (também acessível na base de dados aberta ao público sita em http://www.dgsi.pt/pgrp.nsf).
[4] Sem prejuízo da possibilidade de «informar o Governo, por intermédio do Ministro da Justiça, acerca de quaisquer obscuridades, deficiências ou contradições dos textos legais e propor as devidas alterações», prevista na alínea d) do artigo 32.º do EMP.
[5] Constituição da República Portuguesa Anotada, volume I, Coimbra Editora, Coimbra, 4.ª ed., 2007, p. 208.
[6] Vd. por todos o parecer n.º 20/2010-C, de 17 de janeiro de 2013, publicado no Diário da República, II.ª Série, de 15-3-2013 (também acessível na base de dados aberta ao público sita em http://www.dgsi.pt/pgrp.nsf).
[7] Alterado pelas Leis n.º 39-A/2005, de 29 de julho, 53-A/2006, de 29 de dezembro, e n.º 9/2012, de 23 de fevereiro.
[8] Importa referir que a atual redação referida no texto, estabelecida pela Lei n.º 9/2012, compreendeu uma significativa ampliação relativamente à redação originária que apenas previa como fins admissíveis: a) Proteção de edifícios e instalações públicos e respetivos acessos; b) Proteção de instalações com interesse para a defesa nacional; c) Proteção da segurança das pessoas e bens, públicos ou privados, e prevenção da prática de crimes em locais em que exista razoável risco da sua ocorrência.
[9] Regime especial que, sublinhe-se, não esgota o tema da captação de imagens para fins processuais penais, mas, como referimos, esse não é o tema do presente parecer.
[10] Esse parecer sobre captação e conversas em processo penal não se encontra acessível na base de dados aberta ao público sita em http://www.dgsi.pt/pgrp.nsf estando apenas na «área reservada».
[11] Esse parecer não se encontra acessível na base de dados aberta ao público sita em http://www.dgsi.pt/pgrp.nsf estando apenas na «área reservada».
[12] Por via das disposições conjugadas dos artigos 3.º, alíneas a), c) e d), e 31.º, n.º 1, do REASP.
[13] No n.º 4 do artigo 31.º do REASP.
[14] Alterada pela Lei n.º 59/2015, de 24 de junho e pelo Decreto-Lei n.º 49/2017, de 24 de maio.
[15] Os n.os 2 a 4 do artigo 25.º da LSI, por seu turno, prescrevem:
«2 – Exercem funções de segurança interna:
«a) A Guarda Nacional Republicana;
«b) A Polícia de Segurança Pública;
«c) A Polícia Judiciária;
«d) O Serviço de Estrangeiros e Fronteiras;
«e) O Serviço de Informações de Segurança.
«3 – Exercem ainda funções de segurança, nos casos e nos termos previstos na respetiva legislação:
«a) Os órgãos da Autoridade Marítima Nacional;
«b) Os órgãos do Sistema da Autoridade Aeronáutica.
«4 – A organização, as atribuições e as competências das forças e dos serviços de segurança constam das respetivas leis orgânicas e demais legislação complementar.»
[16] O qual, à data do presente parecer, ainda não se encontra acessível na base de dados aberta ao público sita em http://www.dgsi.pt/pgrp.nsf, subsistindo apenas na «área reservada».
[17] Cuja lição marca, de forma expressa, o desenvolvimento do parecer n.º 9/96 – Complementar B, de 25-3-1999 (publicado no Diário da República II.ª Série, de 29-1-2000, que também se encontra acessível na base de dados aberta ao público sita em http://www.dgsi.pt/pgrp.nsf). Esse parecer revela a doutrina deste conselho no final do século passado sobre medidas de polícia, revisitada no parecer n.º 8/2012. Refira-se que para Sérvulo Correia, «a passagem – com a entrada em vigor da Constituição da República Portuguesa de 1976 – de um “Estado de legalidade formal” a um Estado de direito democrático não prejudica a validade daquela [de Marcello Caetano] construção teórica» («Polícia», in Dicionário Jurídico da Administração Pública, vol. VI, 1994, p. 401).
[18] Op. cit., p. 402.
[19] Marcello Caetano, Manual de direito administrativo, vol. II, Almedina, Coimbra, 9.ª ed. (reimp.), 1983, § 426, p. 1153.
[20] «Sobre a teoria das medidas de polícia administrativa», Estudos de Polícia (ed. Jorge Miranda), Associação Académica da Faculdade de Direito de Lisboa, Lisboa, 2003, p. 193.
[21] Op. cit., p. 202. Pedro Lomba, à frente, no contraponto entre a tipicidade das medidas de polícia e no direito penal, acrescenta: «Se o tipo penal é necessariamente incriminador (o tipo justificativo é excecional), o tipo das medidas de polícia é necessariamente justificador, habilitando a Administração à prática de uma determinada atuação jurídica lesiva de direitos e liberdades dos cidadãos. Ao contrário dos tipos penais, os tipos das medidas de polícia constituem normas de competência» (op. cit., p. 204).
[22] Sobre estas categorias no atual direito policial português cf. Miguel Nogueira de Brito, «Direito de Polícia», in Tratado de Direito Administrativo Especial, vol. I, Paulo Otero / Pedro Gonçalves (eds.), Coimbra, Almedina, 2009, pp. 416-419.
[23] O qual, à data do presente parecer, ainda não se encontra acessível na base de dados aberta ao público sita em http://www.dgsi.pt/pgrp.nsf, subsistindo apenas na «área reservada».
[24] Nesse parecer houve recurso a categorias conceptuais adotadas por Cunha Rodrigues. Segundo esse autor, «a prevenção situacional parte da verificação de que a delinquência se distribui de maneira desigual em relação ao tempo e ao espaço e privilegia ações que diminuam as ocasiões de delito, aumentem o risco de deteção e responsabilização dos seus agentes e eliminem ou enfraqueçam a ‘recompensa’ pelo crime. O que, aqui, está em causa é agir sobre o ambiente, de forma sistemática e permanente, tendo em vista determinadas formas de criminalidade. Incluem-se entre as medidas aconselháveis o ‘endurecimento dos alvos, pela instalação de dispositivos de segurança, controlo de acessos, afastamento de potenciais delinquentes (introduzindo restrições de circulação do tipo ‘permitido o acesso só a residentes) e utilização de procedimentos objetivos de eliminação do risco, v.g., o interditar o porte de arma em certos locais ou espaços» — «Para um novo conceito de polícia», Revista Portuguesa de Ciência Criminal, ano 8, fasc. 3, 1998, pp. 403-404.
[25] A norma do artigo 3.º, n.º 1, do RUCVFSS refere-se à instalação de câmaras fixas, mas abrange a utilização de câmaras portáteis por força do artigo 6.º, n.º 1, do RUCVFSS.
[26] Sobre o procedimento de renovação importa ter presente, nomeadamente, o disposto no artigo 3.º, n.os 5 e 6, 5.º, n.º 5, e 12.º do RUCVFSS.
[27] Prescrevendo o artigo 267.º, n.º 3, da Constituição que a lei pode criar entidades administrativas independentes.
[28] Cf. Gomes Canotilho e Vital Moreira, op. cit., p. 554.
[29] Revista pela Lei n.º 103/2015, de 24 de agosto.
[30] Alterada pela Lei n.º 55-A/2010, de 31 de dezembro.
[31] «1 — A instalação de câmaras fixas, nos termos da presente lei, está sujeita a autorização do membro do Governo que tutela a força ou serviço de segurança requerente, precedendo parecer da Comissão Nacional de Proteção de Dados (CNPD).
«2 — No caso de parecer negativo da CNPD, a autorização não pode ser concedida.
«3 — A competência prevista no n.º 1 é delegável, nos termos legais.»
[32] Em sintonia com opções de índole mais geral também assumidas na proposta de lei:
«O programa do XIX Governo Constitucional assume a prevenção da prática de crimes e a proteção de pessoas e bens como uma das funções essenciais do Estado, a assegurar para com os seus cidadãos.
«Nesse sentido, o Governo vê como uma prioridade a adoção de políticas e medidas concretas que contribuam para fazer de Portugal um País mais seguro e capaz de responder aos desafios que enfrenta, designadamente através da prossecução dos objetivos de reforço da autoridade do Estado e dos seus agentes e, por outro, através da atribuição de maior eficácia ao quadro de atuação das forças e serviços de segurança, assim potenciando a proteção a conferir aos cidadãos e o sentimento de segurança essencial, designadamente, ao normal desenvolvimento de atividades económicas, como é o caso do comércio e do turismo […]
«A proteção das pessoas e bens através destes meios, cuja eficácia tem vindo a ser verificada nos locais em que a legislação em vigor desde 2005 permitiu já que fosse utilizada, deve, dentro do quadro de equilíbrio face a outros direitos e interesses, conhecer uma maior projeção face àquela até aqui alcançada. Na verdade, as necessidades de proteção são crescentes, face a um quadro de ameaça e de concretizada agressão a bens juridicamente valiosos, cuja proteção e salvaguarda incumbe ao Estado assegurar.
«Sendo, pois, o recurso pelas forças e serviços de segurança a sistemas de vídeo-proteção, uma mais-valia na execução das missões que lhes estão confiadas ao serviço da comunidade, melhorando, assim, a proteção e a segurança coletivas, importa aprofundar o quadro legal de base, de modo a potenciar os efeitos de proteção permitidos pelas novas tecnologias, assegurando do mesmo modo as necessárias garantias e cuidados subjacentes ao tratamento dos dados pessoais em causa.
«Importa, assim, dotar as forças e serviços de segurança de instrumentos mais próximos daqueles que se encontram hoje ao dispor de serviços congéneres.»
[33] Cf. Diário da Assembleia da República, II série A, N.º 96/XII/1, de12-1-2012 (pp. 28-48); Diário da Assembleia da República, I série, N.º 59/XII/1, de 14-1-2012 (pp. 40-43).
[34] O artigo 4.º reporta-se às condições de instalação de câmaras fixas.
O artigo 7.º, n.os 4, 5, 6 e 8 reporta-se a um conjunto de imposições genéricas: À proibição de instalação de câmaras fixas em áreas que, apesar de situadas em locais públicos, sejam, pela sua natureza, destinadas a ser utilizadas em resguardo; À exigência de que a autorização de utilização de câmaras de vídeo pressupõe sempre a existência de riscos objetivos para a segurança e a ordem públicas; À proibição de utilização de câmaras de vídeo ao abrigo do RUCVFSS abrangente de interior de casa ou edifício habitado ou sua dependência sem consentimento dos proprietários e de quem o habite legitimamente ou de autorização judicial; À obrigatoriedade de as imagens e sons acidentalmente obtidos abrangendo edifício habitado ou sua dependência fora dos casos em que tal é admissível ou que afetem, de forma direta e imediata, a intimidade das pessoas, ou resultem na gravação de conversas de natureza privada serem destruídos de imediato pelo responsável pelo sistema.
O artigo 8.º à obrigatoriedade de elaborar auto de notícia e remessa ao Ministério Público quando uma gravação registe a prática de factos com relevância criminal (cf. infra § II.4.4).
O artigo 9.º às regras sobre conservação das gravações, nomeadamente, no sentido de as gravações obtidas de acordo com RUCVFSS serem conservadas, em registo codificado, pelo prazo máximo de 30 dias contados desde a respetiva captação, sem prejuízo dos deveres de envio ao Ministério Público.
O artigo 10.º sobre os direitos das pessoas que figurem em gravações obtidas de acordo com RUCVFSS, nomeadamente, quanto ao acesso e eliminação das gravações.
[35] Tal reporta-se ao núcleo do parecer que precede a decisão bem como às iniciativas instrumentais que podem ser desenvolvidas ao abrigo do artigo 3.º, n.º 7, do RUCVFSS no quadro da emissão do parecer: a) Formular recomendações tendo em vista assegurar as finalidades do parecer, sujeitando a emissão de parecer totalmente positivo à verificação da completude do cumprimento das suas recomendações; b) Dispensar expressamente a existência de certas medidas de segurança, garantido que se mostre o respeito pelos direitos, liberdades e garantias dos titulares dos dados.
[36] Apenas terá subsistido um campo residual em que a pronúncia negativa da CNPD ainda terá força vinculativa, na regulação da autorização de câmaras portáteis excecional e fundada na urgência decidida por dirigente máximo de força ou serviço de segurança (fundada na urgência) de câmaras de vídeo portáteis, o parecer negativo da CNPD apresenta força vinculativa (por força do disposto no n.º 3 do artigo 6.º do RUCVFSS, cuja redação originária não foi alterada na revisão de 2012).
[37] Atendendo ao objeto da consulta afigura-se impertinente a abordagem do regime de reação contra decisões vinculativas da CNPD, em particular a interposição de recurso perante o Tribunal Central Administrativo ao abrigo do artigo 23.º, n.º 3, da Lei da Proteção de Dados Pessoais.
[38] Preceito que prescreve que essa informação deve abranger as seguintes matérias: a) A existência e a localização das câmaras de vídeo; b) A finalidade da captação de imagens e sons; c) O responsável pelo tratamento dos dados recolhidos, perante quem os direitos de acesso e retificação podem ser exercidos.
[39] Ponto 16 da respetiva exposição e motivos.
[40] Aprovada pela Resolução da Assembleia da República n.º 23/93, de 12-5-1993 e ratificada pelo Decreto do Presidente da República nº 21/93, de 21-6-1993, ambos publicados no Diário da República, I Série, de 9-7-1993.
[41] Disposições que por força do n.º 1 do artigo 9.º da Convenção, fora desses casos não admitem exceções.
[42] Acessível na base de dados aberta ao público sita em http://www.dgsi.pt/pgrp.nsf.
[43] As referidas questões foram elencadas, respetivamente, nas alíneas c) e a) do segmento conclusivo da formulação da consulta (supra § II.1), tendo a resposta à pergunta da alínea b), relativa à competência da CNPD, sido abordada no § II.3 do presente parecer.
[44] O artigo 31.º, n.º 1, recorta de forma expressa os sistemas admissíveis, por «entidades titulares de alvará ou de licença para o exercício dos serviços previstos nas alíneas a), c) e d) do n.º 1 do artigo 3.º», a uma finalidade de segurança privada e prescreve que ao abrigo do regime apenas «podem utilizar sistemas de vigilância por câmaras de vídeo para captação e gravação de imagem» não admitindo a captação e gravação de som.
[45] Prescrevendo-se no n.º 8 do artigo 31.º do REASP: «É proibida a gravação de som pelos sistemas referidos no presente artigo, salvo se previamente autorizada pela Comissão Nacional de Proteção de Dados, nos termos legalmente aplicáveis».
[46] Relativamente à base de dados que a Direção Nacional da PSP organiza « com a finalidade de registo, controlo, licenciamento e fiscalização do exercício da atividade de segurança privada», relativa às entidades e pessoas que exerçam atividades reguladas, o artigo 56.º, n.º 3, do REASP prescreve que «a base de dados e os dados pessoais registados objeto de tratamento informático são regulados por legislação especial e estão sujeitos às regras previstas na Lei da Proteção de Dados Pessoais».
[47] É o seguinte o teor desse preceito:
«1 – As forças e os serviços de segurança exercem a sua atividade de acordo com os princípios, objetivos, prioridades, orientações e medidas da política de segurança interna e no âmbito do respetivo enquadramento orgânico.
«2 – Sem prejuízo do disposto no número anterior, as forças e os serviços de segurança cooperam entre si, designadamente através da comunicação de informações que, não interessando apenas à prossecução dos objetivos específicos de cada um deles, sejam necessárias à realização das finalidades de outros, salvaguardando os regimes legais do segredo de justiça e do segredo de Estado.»
[48] Esse parecer ainda não se encontra acessível na base de dados aberta ao público sita em http://www.dgsi.pt/pgrp.nsf, estando, apenas, na «área reservada».
[49] Tendo sido destacado nesse parece que a «constelação de exigências em matéria de medidas restritivas de direitos que implicam o intérprete num aprofundamento compreensivo superador de conceções de um trabalhador em funções públicas sem direitos subjetivos. Superação que precedeu em alguns vetores importantes o modelo democrático da III República, mas que carece de ser integrado no quadro jurídico-constitucional estabelecido em 1976 conformador do contexto (procedimental e substantivo) das restrições dos direitos subjetivos constitucionalmente protegidos. Os princípios da necessidade e da proporcionalidade, relativos tanto às medidas cautelares como às penas disciplinares, devem integrar ponderações sobre o estatuto disciplinar do trabalhador em funções públicas, ainda que membro de um corpo especial, como potencial sujeito ativo de soluções administrativas atentas à vertente liberal do Estado de direito — que implica o reconhecimento de um sujeito com capacidade de autodeterminação conformadora do procedimento».
[50] Diversidade repercutida no impacto jurídico-constitucional do conceito de dignidade humana que nos Estados Unidos da América, como na Alemanha, teve um desenvolvimento no período posterior à Segunda Guerra Mundial associado ao novo olhar jurídico-constitucional sobre os direitos humanos indissolúvel da história do desenvolvimento das ideias no pós 2.ª Guerra Mundial (cf. Christopher McCruden, «Human Dignity and Judicial Interpretation of Human Rights», European Journal of International Law, v. 19, 2008, pp. 656-675). Na mesma linha James Whitman destaca que a diferença da proteção da privacidade se explica «pela vida em sociedades conformadas por determinadas expectativas culturais e determinados ideais igualitários» («The Two Western Cultures of Privacy: Dignity versus Liberty», Yale Law Journal, 2004, p. 1211), refira-se, ainda, a título ilustrativo sobre o reflexo das diferentes experiências constitucionais na proteção da privacidade, em particular na adaptação às inovações tecnológicas Nicole Jacoby «Redefining the Right to Be Let Alone: Privacy Rights and the Constitutionality of Technical Surveillance Measures in Germany and the United States», Georgia Journal of International and Comparative Law, v. 35, 2007, pp. 479-493.
[51] Helen Nissenbaum,  Privacy in Context:  Technology, Policy, andtheIntegrityofSocialLife, Stanford University Press, 2010, pp. 61-62. Um dos exemplos analisado por essa autora é a videovigilância em espaços públicos (op. cit., p. 22).
[52] Nothing to Hide — The False Tradeoff between Privacy and Security, New Haven, Yale University Press, 2011, p. 207 (tradução do relator do parecer), vd. para uma perspetiva diferente a partir de cânones metodológicos semelhantes os vários trabalhos de Ian Kerr a partir de uma releitura com suporte em Stuart Mill produzidos a partir do ensaio, escrito com Jennifer Barrigar, Jacquelyn Burkell e Katie Black, «Soft Surveillance, Hard Consent — The Law and Psychology of Engineering Consent» in Lessons from the Identity Trail: Anonimity, Privacy and Identity in a Networked Society (eds. Ian Kerr, Valerie Steeves e Carole Lucock), Oxford University Press, 2009, pp. 5-22.
[53] Cf. Luigi Carli, Le indagini preliminari nel sistema processuale penale, Milão, Giuffrè, 1999, pp. 159 e ss.. Esta é uma pauta de análise fundamental e uma base de partida no tratamento da questão objeto do parecer. A referência a um facto histórico, que permita, em traços grossos, delimitar ou identificar um hipotético evento que, em abstrato, possa vir a ser objeto de uma atividade heurística com vista à sua cognição, é um pressuposto mínimo para, eventualmente, suscitar uma apreciação de instâncias judiciárias com competência em matéria de repressão criminal. Apenas um hipotético evento histórico, ainda que enunciado através de narrativa essencialmente subjetivista e marcada por valorações, pode ser suscetível de qualificação jurídico-penal (positiva ou negativa) e consequentemente de indagação heurística ou valoração liminar à luz dos cânones de um sistema conformado dogmática, ideológica e politicamente pelos princípios do direito penal do facto. Nesta medida também se colocam em evidência os três elementos que integram a notícia do crime: o objeto, a qualificação jurídica e o destinatário da notícia do crime (A. A. Dalia / M. Ferraioli, Manuale di diritto processuale penale, Pádua, CEDAM 1999, p. 413).
[54] Artigo 53.º, nº 2, alínea a), do Código de Processo Penal (CPP). Entre as alternativas de encaminhamento do expediente compreendem-se a ausência de qualquer impulso processual penal, a abertura de inquérito ou o envio para uma fase especial com dispensa de inquérito.
[55] Artigos 262.º, n.º 1 e 263.º, n.º 1, do CPP. Em termos temporais, os atos podem ser concentrados, na medida em que em função da organização dos concretos serviços do MP nada impede que, em certos casos, o procurador que profere a decisão relativa ao registo, distribuição e autuação como inquérito pratique também um primeiro ato dessa fase, nomeadamente, a atribuição do encargo de diligências de investigação a um determinado órgão de polícia criminal (desde que tenha competência para o efeito, cf. artigo 264.º, do CPP e artigos 58.º, n.º 1, alínea h) e 64.º, n.º 3, do EMP).
[56] Não tendo fundamento jurídico-constitucional, por exemplo, uma genérica prevalência da perseguição criminal sobre a prevenção do perigo ou a inversa – Cf. com mais desenvolvimento e referências bibliográficas, Paulo Dá Mesquita, «Repressão criminal e iniciativa própria dos órgãos de polícia criminal», Revista do Ministério Público, ano XXV, n.º 98 (2004), pp. pp. 2730 (texto também publicado em AAVV, I Congresso de Processo Penal, Almedina, Coimbra, 2005).
[57] Prevista na alínea c) do n.º 2 do artigo 3.º da LOPSP e no artigo 3.º, n.º 1, alínea c), da LOGNR. A PSP e a GNR têm competências de polícia administrativa geral que, como sublinha Sérvulo Correia, «visa a observância e a defesa da ordem jurídica globalmente considerada, com particular ênfase no domínio da ordem e segurança públicas» («Polícia», in Dicionário Jurídico da Administração Pública, vol. VI, 1994, p. 407). Neste plano importa, ainda, ter presente a destrinça entre a polícia de segurança e polícia administrativa em sentido estrito – para uma panorâmica, com referências bibliográficas, cf. Fernanda Maria Marchão Marques, «As polícias administrativas», Estudos de Polícia (ed. Jorge Miranda), Associação Académica da Faculdade de Direito de Lisboa, Lisboa, 2003, pp. 135-151.
[58] Então, tendo presente o específico objeto desse parecer destacaram-se três ordens de razão fundamentais:
«1) As medidas cautelares e de polícia têm natureza processual penal, em sentido material, enquanto as ações preventivas previstas no artigo 1.º, n.º 3, alínea a), da Lei n.º 36/94 integram a atividade de polícia em sentido funcional;
«2) Nas medidas cautelares e de polícia previstas no Código de Processo Penal os órgãos de polícia criminal intervêm em substituição precária da autoridade judiciária enquanto as ações de prevenção podem ser empreendidas pelo Ministério Público (ou pela Polícia Judiciária) no âmbito do artigo 1.º da Lei n.º 36/94 ao abrigo de uma competência legal própria;
«3) As medidas cautelares e de polícia pressupõem a necessidade e urgência de uma ação em virtude de uma notícia do crime enquanto as ações de prevenção previstas no artigo 1.º da Lei n.º 36/94 têm como pressuposto legitimador que ainda não se encontra consubstanciada uma notícia do crime.»
[59] Esse parecer, sobre segredo de Estado e prova em processo penal, não se encontra acessível na base de dados aberta ao público sita em http://www.dgsi.pt/pgrp.nsf, estando, apenas, na «área reservada».
[60] Aliás, como também se destacou no parecer n.º 26/2012, no modelo sobre a repressão criminal a combinação da garantia judiciária com o fim da garantia administrativa envolve, além de uma arquitetura de poderes estaduais, uma dimensão mais vasta do controlo dos poderes públicos, onde estão incluídas as entidades responsáveis pela efetivação da repressão criminal. Daí que, à luz do novo quadro constitucional a ação penal popular, que já era admitida no processo penal anterior, se passe a sustentar em novos parâmetros como expressão de um direito de ação constitucionalmente tutelado. Assim Rui Pinheiro / Artur Maurício, A Constituição e o processo penal, Lisboa, Rei dos Livros, 1983, p. 198. Sobre a articulação do fim da garantia administrativa com o controlo dos poderes públicos, o princípio da legalidade, a figura do assistente e, em especial, a teleologia da possibilidade de «qualquer pessoa» se constituir assistente em determinados tipos de crime cf. Paulo Dá Mesquita, Processo penal, prova e sistema judiciário, Coimbra, Coimbra Editora, 2010, pp. 145-161.
[61] Esse parecer, sobre competência de órgãos de polícia criminal para desenvolvimento de medidas, cautelares e de polícia no quadro da divisão de responsabilidades entre os órgãos de polícia criminal relativa à investigação criminal estabelecida pela Lei de Organização da Investigação Criminal, não se encontra acessível na base de dados aberta ao público sita em http://www.dgsi.pt/pgrp.nsf, estando, apenas, na «área reservada».